Nova Terânia
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Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado)

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Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado) Empty Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado)

Mensagem por Lei Keylosh Sex 17 Ago 2012, 11:10

[ OBS.: Esta primeira parte ocorreu apenas com Annabela. ]

Narrador:
*Chovia muito forte naquela pacata vila. A chuva havia começado à tarde e prolongou-se até a noite, tornando-a mais escura do que o normal. Para os guardas na entrada da vila não era possível enxergar a estrada por muito longe, exceto quando algum raio iluminava o caminho. Estes eram os únicos momentos em que os guardas sabiam que não havia ninguém próximo à vila.

Mas essa certeza duraria pouco. Um dos raios revelou um vulto vindo na direção da entrada da vila. A cada vez que um raio iluminava a estrada, o vulto estava mais perto, mas andava muito lentamente. Os guardas só conseguiram reconhecer a silhueta quando ele estava bem perto.

Parecia um homem maltrapilho. Trajava uma capa com capuz suja e encharcada e andava com a ajuda de um pedaço de pau que funcionava como bengala. Aquela não era uma visual incomum. A vila recebia muitos andarilhos à procura de alguma forma de caridade, como alimento ou abrigo. Mas havia algo de diferente naquele homem. Nem mesmo o raio mais forte conseguia iluminá-lo de forma completa.

Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado) Cleaved_Maiden_Mood_Paint

Os guardas concluíram que ele estava sozinho e permitiram sua entrada antes que o homem, que aparentava idade avançada, ficasse doente. Ele foi levado até a taverna da vila e o taverneiro o recebeu, deixando que ele se secasse à frente da lareira.

A taverna era pequena mas aconchegante. A iluminação era precária, entretanto, e o número de goteiras ali só não era maior do que a quantidade de hidromel consumida. A vila era pequena e todos se conheciam, portanto, quando o homem misterioso entrou, era natural que todos prestassem atenção nele.*


Annabela:
E assim como os olhares seguiram-se comentários curtos a respeito da nova presença na taverna. Mas nada muito longo, pois a maioria de seus clientes já estavam sob o efeito do álcool. Bark, o taverneiro, lançou apenas um rápido olhar, voltando a encher algumas canecas. E como sempre fazia quando alguém de fora aparecia, fez uma prece para que nada se quebrasse em seu estabelecimento.

Apesar de cheia, não estava tendo muito serviço naquela noite. Mesmo que gostasse de ajudar Bark, ele detestava o fato de Annabela ser obrigada a frequentar aquele lugar. Julgava um ambiente muito instável e perigoso para uma criaturinha de físico e jeito tão delicados. Entretanto, em todos esses anos, nenhum homem ousou tentar nada com ela... e o motivo era conhecido em toda a vila. A mocinha era cega, e existiam boatos – maldosos, claro – de que sua alma era atormentada. E numa época como aquela... não era saudável, muito menos seguro ser diferente.

- Parece desanimada, doçura – falou Bark, num tom paternal e gentil, que só usava com sua protegida.

- Ah... – ela sorriu, sendo atraída por sua voz – Não é nada demais. Só me sinto um pouco cansada hoje. Esse tempinho gelado me deixa assim.

- Pode ir desc...
- Ficarei mais um pouco. Aaron está doente, esqueceu? Não vou deixá-lo sozinho.
O homem suspirou diante da teimosia, sorrindo em seguida. Quando a encontrou tinha ficado fascinado. Uma criança linda, vulnerável... e completamente assustada. Não resistiu e a pegou.
- Tudo bem, tudo bem... – resmungou.
Ela riu ao escutar passos aborrecidos se afastando. Estava sentada num banco, com as mãos apoiadas no balcão de madeira. Brincava com uma rolha entre os dedos. Era a única que não tinha notado a presença do homem...

... no entanto, aquele repentino desânimo não era algo ocasionado pelo frio.



Narrador:
*O velho misterioso deixaria sua capa pesada próxima da lareira para secá-la e então andaria lentamente até o balcão da taverna. Sentaria-se ao lado da garota frágil e pediria apenas água para Bark. Ele então fitaria a garota diretamente, já percebendo que ela não iria retribuir o olhar por motivos óbvios.*

Com licença, moça. *Disse ele então, os longos cabelos brancos caindo-lhe sobre a face, a voz cansada e ríspida, e sempre apoiando-se em sua bengala improvisada, mesmo sentado ao banco de madeira.* Poderia me dizer o que está escrito neste pedaço de pano? Você pode tocá-lo *O velho então retirou um pequeno pedaço de um tecido mole e o colocou em cima do balcão, à frente da moça, passando a observá-la então. Independente se ela aceitasse o pequeno desafio ou não, Bark poderia ver claramente que não havia nada escrito no pano de tom amarronzado.


Annabela:
Continuava brincando com a rolha, entediada, e também numa tentativa de trapacear o sono. Chegou a bocejar algumas vezes, soltando um longo suspiro. Procurava ignorar aquelas estranhas sensações. Distraída, então, acabou não percebendo a proximidade do novo integrante do local.

Agora tão perto, o senhor poderia notar melhor os detalhes do rosto suave da jovenzinha. Era um tanto pálida, mas os lábios vermelhos e em formato de coração lhe davam um ar um pouco mais saudável. Nariz pequeno e arrebitado, sobrancelhas finas, que adornavam um par de olhos grandes, e mesmo cegos, expressivos. Tinham um diferente tom azul... Limpo e brilhante. Os fios escuros estavam soltos, caindo sobre os ombros estreitos. Pareciam macios, e eram longos, com as pontas dando leves voltas. Usava um vestido simples, fechado por botões nas costas. Por cima, um grosso casaco, de lã, também fechado por botões dourados. Nos pés, curtas botas de couro claro.

Tomou um susto com a fala do homem, deixando a rolha cair no chão. Arregalou os olhos por um momento, mas logo desfez a expressão surpresa, sorrindo.

- Boa noite, senhor.

Bark voltou com água no momento em que ele fazia o estranho pedido. Estreitou os olhos, pegando o pedaço de pano.
- Ela não está aqui para isso.
- Não, Bark. Deixe-me sentir, está bem?

Aborrecido, o taverneiro colocou o pedaço de pano nas pequenas mãos estendidas dela. Annabela começou a tatear o tecido, em busca de alguma escritura.



Narrador:
*O velho continuou em silêncio, observando a garota tatear o pano. Bark talvez não tivesse percebido pelo contato rápido com aquilo, mas a garota perceberia facilmente pela textura e o modo como aquilo se dobrava que tratava-se de um pedaço de pele retirado de alguma criatura. Uma criatura incomum, no mínimo. A jovem poderia traduzir o que estava escrito ali. Não era um texto em si, era uma ideia, uma imagem encrustada magicamente naquele pedaço de pele. Imagem que iria formar-se imediatamente na mente da jovem.
Era um homem beirando aos seus 40 anos, cabelos longos e loiros e trajando vestes negras que os magos geralmente usam. Ele usava uma manopla na mão esquerda, e milhares de vozes, vozes demoníacas, clamavam por seu nome. "Lei Keylosh" era tudo o que elas diziam. A imagem sumiria imediatamente.*
Interessante... *Disse o velho, olhando para Bark e perguntando a ele.* Você é o único que sabe do talento desta garota?



Annabela:
Segurava com inocência o tecido, procurando algo de diferente no mesmo. Quase que no mesmo instante, Annabela foi assaltada por imagens fortes e intensas. Sua cabeça latejava, pois fora violentamente ‘acertada’ por elas. Fechou os olhos, procurando e concentrar. Tentava afastar a figura do homem loiro em sua cabeça, e num gesto de desespero, soltou a pele, deixando-a cair sobre o balcão. Levou as mãos até a cabeça, um pouco tonta e cansada, apesar de quase não ter feito esforço... aparentemente.

Bark a segurou pelos ombros quando ameaçou cair do banco, mantendo-a firme. Deitou a cabeça da mocinha em seu ombro, olhando feroz para o senhor. Era claro que ele sabia sobre a maldição que se abatia sobre sua protegida. Mais do que qualquer um. Quantas vezes tivera que acordá-la por causa de pesadelos envolvendo demônios?

- O que fez com ela, seu maldito?
Annabela piscava repetidas vezes, confusa. O taverneiro aproximou os lábios de seu ouvido, a chamando com gentileza.

- Doçura... você está bem? Quer se deitar? Fale comigo, Annabela...

Ainda atordoada, ela tentou se endireitar, sem sucesso.

- Só preciso de alguns minutos...



Narrador:
*O velho não demorou para pegar o pedaço de pele de volta, guardando-o em um bolso da roupa surrada.* Eu apenas pedi a ela para ler algo para mim... mas, ao que parece, ela ainda é inexperiente. Eu não esperava que ela fosse cansar-se tanto com algo tão simples. *O velho então, ainda sentado, inclinou-se na direção da garota.* Annabela... *Disse, ao ouvir Bark dizer o nome dela.* Eu preciso saber que mensagem você acabou de ver. Conte-me. *O velho nem mesmo disse um "por favor". Ele parecia estar focado na mensagem e nada mais importava naquele momento.*

Annabela:
- Suma daqui, seu bastardo!
Teria o socado se não estivesse segurando Annabela. Naquele momento, as atenções da grande maioria se voltaram para o trio e para o clima estranho que os envolvia. Porém, antes que uma situação pior pudesse se formar, a garota interveio, tentando acalmar Bark.

- Por favor, vamos nos acalmar. Eu estou bem, só fui pega de surpresa.

E quanto antes ajudasse aquele homem, mais cedo se veriam longe dele. Respirando fundo, tateou o balcão, segurando-se na ponta, recuperando os sentidos aos poucos.

Demônios a cansavam, isso era óbvio...

- Eles gritavam o nome de um homem. Como se estivessem comemorando sua presença. Uma espécie de líder... – ela parecia pensativa, tentando se recordar de mais algum detalhe – Foi muito rápido, mas eu me recordo do nome. Era Lei Keylosh.

O estranho nome parecia queimar sua língua ao ser pronunciado.



Narrador:
Ele segurava alguma arma consigo? Algum artefato? Havia alguma pista de seu paradeiro? Eu preciso saber! *O velho exaltou-se por um momento, mas depois procurou se acalmar, percebendo que causaria uma confusão ainda maior naquele lugar, e ele obviamente estava em desvantagem ali. O velho apenas tomou sua água e continuou sentado. Parecia desesperado, como se ter aquela informação fosse um caso de vida ou morte.*



Annabela:
E pelo que parecia, ela estava mesmo se esforçando para ajudar. Estreitou os olhos, buscando mais alguma em sua mente. De começo, parecia que não iria se lembrar, mas de repente um brilho passou por seus olhos.

- Ah, sim, claro! – mordeu os lábios, como se tentasse identificar o artefato na mão dele – Não sei bem, acho que era alguma espécie de manopla. Hm... acho que sim.

Encolheu os ombros, abaixando as cabeças, parecendo cansada. Bark ainda parecia bastante irritado, e não desviava os olhos do homem, receando que pudesse causar mais mal a Annabela.

- Isso é tudo que me recordo, senhor. Só nisso que posso ajudá-lo.



Narrador:
Manopla... sim. É uma das armas. Estou no caminho certo. *Murmurou o velho, limpando o suor da própria testa. Ele então fitaria Bark.* Me perdoe... sabe o quanto é difícil achar alguém como esta garota? Eu preciso da ajuda dela. Eu posso explicar, mas não aqui. Não na frente destas pessoas. *Olhava alternadamente para Annabela e Bark.* Se puderem ouvir o que tenho a dizer em algum local reservado, eu agradeceria.



Annabela:
Parecia exausta. Mais pálida que o normal, entretanto não reclamava nem nada. Era uma pessoa muito boa. Por mais que aquele homem agisse de forma brusca, Annabela sabia que ele estava desesperado. Não era necessário enxergar para perceber isso.

Bark era turrão e qualquer tentativa do velho de fazer com que ele cooperasse, seria prontamente ignorada. Por sorte... a mocinha pensava ao contrário. Soltou um longo suspiro, se apoiou em Bark, ficando de pé. Já se sentia melhor.

- Venha, senhor. Vou levá-lo para a salinha. Lá poderemos conversar melhor.

- Se precisar de alguma coisa, grite, doçura.

Annabela apenas sorriu, agradecida. Por mais que o taverneiro não concordasse, não poderia se opor a uma escolha dela. Já não era mais uma criança.

- Venha comigo.

E como se seus olhos fossem tão bons quanto quaisquer outros, ela se deslocou com facilidade e firmeza. Conhecia aquele lugar mais do que a si própria.



Narrador:
*Por mais que o velho fosse objetivo, ele ajudaria Annabela se ela tivesse dificuldade em se deslocar. Ele não parecia ser uma pessoa ruim, apenas estava desesperado, e pessoas assim fazem coisas desesperadas. Ele seguiria Annabela até a sala mencionada e, apesar de teoricamente terem privacidade a partir daquele momento, ele observava através da janela (se houvesse uma), como se algo ou alguém estivesse sempre observando. Ele começaria a explicar em seguida.*

Não há maneira fácil de dizer isto, portanto, eu vou direto ao ponto, já que você, claramente, sabe da existência dessas criaturas. Eu fiz um pacto com um demônio. Eu tive que fazer. Ele ameaçou a mim e a minha família. Se eu não achar o homem que você viu em sua mente, ele me matará e matará quem eu amo. *O velho fez uma breve pausa, andando lentamente através da pequena sala e então continuando.* O homem que você viu sabe a localização de armas extremamente poderosas, armas que se combinadas, darão ao demônio poder ilimitado. Ou assim ele disse. É impossível confiar em um demônio. Eu paguei um preço alto por isso.

*O velho procuraria uma cadeira ou algum lugar onde pudesse se sentar e então continuaria.* Por anos eu estudei ocultismo, sempre fui fascinado pelos demônios, suas castas e seus modos de agir. Até ser vítima de um. Irônico, não? O demônio que me chantageou me deu o pedaço de pele que você analisou. O pedaço reagia a presença de outros demônios e aos que podiam ver através de sua magia, como você. Mas não foi uma busca fácil. Eu estou há meses viajando. O demônio precisava de alguém que fizesse o trabalho sujo por ele, e eu não tenho escolha. Você irá me ajudar? *Fitou o velho, esperançoso. Claro, ele poderia estar mentindo sobre tudo isso, mas Annabela provavelmente sabia usar seu talento para ver se alguém mente e, se fizesse isso, perceberia que o velho estava sendo sincero, pelo menos em tudo que ele havia contado até agora.*


Annabela:
Não precisou de ajuda dele. Já tinha se recuperado completamente. Andava em passos suaves, e não dava sinais se estava ou não assustada. Ou melhor... parecia muito normal, para alguém que acabara deter um ‘surto’.

Escutava cada palavra dele com bastante atenção, sempre pensativa, e analisando. Mas no final, deixaria que seus instintos a conduzissem. E foi no momento em que concluiu isso que sentiu medo. Pois ela sabia que ajudaria o homem. E poderia estar se metendo numa enrascada por causa disso.

Por fim, chegaram na sala, que era pequena e confortável, com uma lareira a aquecendo. Annabela seguiu até onde sabia existir uma poltrona, sentando. Existia uma pequena janela, que mostrava que a chuva tinha aumentado. A menina podia escutar o som... Aquele barulho a acalmava. Ouviu toda a história dele, impressionada e também piedosa. Quando ele acabou de contar, e lhe pediu ajuda, Annabela suspirou, fechando os olhos.

- Como posso fazer para ajudá-lo, senhor?



Narrador:
Obrigado, minha jovem. *Agradeceu o velho, que se levantou e aproximou-se dela. Voltou a retirar o pedaço de pele de demônio do bolso da roupa.* Eu preciso que você analise a pele novamente. Mas tente ver mais profundamente desta vez. Tente ver mais detalhes, qualquer coisa que nos dê uma pista do paradeiro deste homem. Sei que você consegue, apesar de não ter desenvolvido totalmente seu dom. *Ele fez uma breve pausa.* É algo que eu gostaria de ter. Poder entender as mensagens dos demônios ao invés de simplesmente estudá-los. Mas apenas você pode fazer isto agora. *E passaria o pedaço de pele novamente para Annabela.

Se ela aceitasse repetir o processo, ela veria novamente a imagem de um homem loiro e barbudo, traços do povo do norte. Pelos seus trajes, o homem devia ser um mago ou feiticeiro. Novamente ela veria a manopla na mão esquerda do homem, que emitia magia em grande quantidade. E as vozes de vários demônios chamando seu nome. Ela veria algo mais desta vez.

Annabela podia ver através da visão do demônio a quem aquele pedaço de pele pertenceu. Ela veria um demônio de casta superior dando uma ordem. Então veria-se escondida por entre árvores, espiando um homem com uma armadura azul que continha um brasão distinto no peito. Este homem de armadura completa azul retirava seu elmo e revelava ser o loiro em questão. Annabela podia ver o brasão claramente e poderia descrevê-lo, apesar de não saber a qual ordem ele pertencia.

A visão sumiria novamente. Annabela poderia concluir que o demônio não conseguiu mais espiar o loiro ou ele foi morto logo depois da cena que ela presenciou na visão.*



Annabela:
- Não precisa me agradecer, senhor. Seria egoísmo de minha parte negar ajuda, tendo condições de fazê-la. Vamos lá, então.

Podia escutar os passos dele, lentos, se arrastando. Seu coração pesou de leve, nervoso por ter que passar por aquele procedimento incômodo de novo. Permaneceu com os olhos fechados, mostrando as mãos. Soltou uma risada um tanto irônica.

- Não sabe o que está dizendo. Isso não é um dom, e sim uma maldição. Eu devo ter feito algo muito ruim para ter nascido com isso. Posso sentir como Bark sofre por causa disso... – abaixou a cabeça – Eu não queria, de forma alguma, ter contato com essas criaturas malignas, mesmo que sejam apenas por visões.

Quando segurou a pele, as imagens a tomaram depressa, fazendo-a estremecer o pequeno corpo. Cerrava as pálpebras com força, procurando ignorar a dor de cabeça. Mantinha o foco na cena, como se ela mesmo que a estivesse vivendo. Gravava os detalhes que julgava ser mais importante. Quando chegou ao fim, Annabela estava trêmula e ofegante, com os olhos arregalados. Precisou de alguns minutos para se recompor, e começar a falar. Descreveu a cena para o homem, sem deixar nada de fora. Falou sobre o loiro, sobre o elmo e do brasão.

- Foi isso que vi dessa vez. Esse homem realmente é alguma espécie de líder, como tinha te dito antes. Apesar da sua aparência comum, ele não me parecer apenas um humano – suspirou, estendendo a pele para que o homem pudesse pegar – É isso.



Narrador:
*O velho pegou a pele de volta e então voltou a sentar-se.* Obrigado, jovem. O brasão que você descreveu não me é estranho, mas não consigo me lembrar de onde é. Terei que fazer algumas perguntas. De qualquer maneira, agora tenho os meios para encontrá-lo. *O velho levantou-se novamente, sempre com a ajuda de sua bengala, e parou à frente da garota.* Eu não tenho nada para lhe dar em troca, mas você salvou minha família. E foi seu dom que permitiu isso. Pense nisto. Sou muito grato, boa sorte, minha jovem. *E o velho já ia saindo da sala mas, por algum motivo, parou em frente à porta e permaneceu assim.*


Annabela: - Não se preocupe com isso, senhor. Não quero nada em troca. Não me custou nada ajudá-lo. Apenas algumas dores de cabeça, mas nada demais – riu baixo, mesmo não achando graça.

Queria que ele fosse embora... Não por estar com raiva ou qualquer coisa do tipo. Porém, sua presença lhe causava certo mal estar. E também irritaria ainda mais Bark, que devia estar espumando de zanga e preocupação. Escutou a cadeira se arrastando e viu que estava pronto para partir. Entretanto, não escutou a porta abrindo. Só ele tinha a deixado aberta, algo assim.

Não... Podia escutar o som de sua respiração.

Annabela ficou de pé, começando a tremer um pouco. Ainda estava tonta pela visão, mas sentia que não podia mais ficar ali. Arregalou os olhos, dando um passo para frente.

- Senhor..? Aconteceu algo? Por favor, me responda! – implorou.



Narrador:
*Annabela então podia sentir uma presença maligna muito forte na sala, uma presença demoníaca. Ela podia sentir sem dúvida alguma que havia um demônio ali dentro. Uma voz começou a falar então. Era a voz do velho e saía da boca dele, mas combinada com várias outras. Era uma língua estranha, mas Annabela entendia perfeitamente.* Este tolo achou que eu não colocaria uma coleira nele. Humanos... tão ingênuos. *O velho então voltou a se aproximar de Annabela e segurou o rosto dela com força.* Não tente gritar, humana. Meu poder impede que o som deixe esta sala.



Annabela:
- Vamos, senhor... Me diga o que está acontecendo. Seu silêncio está me assustando... – ela gemeu baixo, pensando numa forma de sair daquela enrascada.

Foi quando o escutou, falando numa voz diferente e língua estranha, porém que ela – infelizmente – sabia reconhecer. Contendo um grito horrorizado, Annabela ficou mais pálida que o normal.

Quando a mão segurou seu rosto sem nenhum delicadeza, ela levou as próprias até o braço dele, tentando se soltar, ou fazer com que ele, pelo menos, diminuísse a pressão.*
- Pare... – conseguiu sussurrar.

Sabia que não era o senhor que fazia aquilo. Na verdade, desconfiava de quem fosse o autor daquela situação.



Narrador:
*O velho agora possuía uma força descomunal, algo estranho para alguém que apoiava-se em uma bengala há momentos atrás.* Impressionante. Não achei que o humano fosse capaz de cumprir esta missão. Apesar de ingênuo, ele me surpreendeu. Aprendi que quando a família de um humano é envolvida, fica muito fácil manipulá-lo. *O velho, que já não era mais ele em consciência, aproximou o rosto do de Annabela. Até mesmo sua respiração parecia diferente, o corpo do velho estava muito quente, uma temperatura que um corpo humano não aguentaria.* Eu vi e ouvi tudo o que ele viu e ouviu. Se quiser que Bark viva, você virá comigo. Você me ajudará a capturar Lei Keylosh e então quando eu tiver o poder das armas, a sua habilidade me será útil para acabar com os demônios rivais.



Annabela:
Escutava tudo aquilo com uma pesada pressão no peito. Mesmo não estando ali em carne e osso, a presença do demônio era intensa. Annabela segurava o choro. Precisava manter o controle. Seus lábios tremiam de pavor, a impossibiltando de falar qualquer coisa. No final das contas, aquela era a prova de que o pobre homem falava a verdade.
A aproximação a fez fechar os olhos e soltar um gemido entrecortado, como se ele a estivesse ferindo lentamente. E estava. Mesmo que não arrancasse sangue, o homem a machucava com as ameaças. Era o que mais temia. Que algum ente querido sofresse por ela carregar aquele maldito dom. Uma sina que lhe foi 'confiada'.
- Mas... como farei isso? - sua voz saiu embargada - Vá embora, e deixe esse pobre homem em paz.



Narrador:
Ele estudou sobre demônios por toda sua vida. Achei justo que ele fosse possuído por um. Ele ficará feliz por esta descoberta, não acha? *O demônio daria uma risada irônica, enquanto ainda segurava Annabela pelo rosto.* Você saberá como em meu covil. *Ele então pegaria Annabela pela cintura e a colocaria em cima do próprio ombro. Em seguida, com uma agilidade sobrenatural, saltaria para fora da sala através da janela, caindo do lado de fora.* Lembre-se, humana. Se alertar seus semelhantes, seu querido amigo morre. *Ele então seguiria correndo por algum caminho onde pudesse sair da vila sem ter que passar por nenhum guarda. Se houvesse um muro alto ou outra barreira, ele pularia agilmente com ela nos ombros, mostrando que a possessão deu poderes extraordinários ao corpo do velho.*

Annabela:
- Isso é um comentário muito cruel! – ela praticamente gritou, mesmo sabendo que seria impossível alguém escutá-la. Como também sabia que seria questão de minutos para que Bark aparecesse, preocupado com a demora da conversa.

Quando o escutou se referindo ao covil, Annabela entrou em desespero. Não... Ele não podia estar achando que ela iria...

- Não! Espere...! – começou a se desesperar.

Soltou um grito quando o homem a pegou, e num aperto de ferro, a prendeu sobre seu ombro. Por mais que Annabela se debatesse, era impossível se soltar. Pensou que fosse desmaiar ao sentir os grossos pingos da chuva molhando os dois. Ele tinha saído... Estava mesmo a levando a força. Sem conseguir controlar o choro, fartas lágrimas molhavam o lindo rostinho, junto da tempestade. Imaginou a dor que seu sumiço causaria em Bark.

- Por favor, deixe-me inventar uma desculpa para que Bark não se preocupe. Tenha piedade! Assim o ajudarei com o que me pedir, mas não seja tão malvado...



Narrador:
*O demônio naturalmente não daria atenção à súplica da garota. Correria para a floresta mais próxima, usando a noite e a chuva como coberturas para sua fuga, e o vulto dos dois desapareceria por entre as árvores. Agora mesmo se gritasse, os raios, o barulho da chuva e a mata densa cobririam a voz de Annabela. O velho continuaria correndo sem parar e cruzaria a floresta desta maneira, indo parar na entrada de uma pequena gruta. Ele largaria Annabela ao chão, jogando-a sem nenhuma delicadeza em uma poça de lama, e então o velho desmaiaria, caindo próximo a ela, inconsciente. A possessão teria acabado? Antes que Annabela pudesse supor o que estava acontecendo, ela sentiria a presença demoníaca mais uma vez, mas agora não mais vinda do corpo do velho e sim de dentro da gruta. Um portal se abriria e dele sairia o demônio, uma criatura alta e larga que emanava muito calor. Ele deu largos passos até Annabela, parando em meio à chuva e inclinou-se para baixo, fitando a garota.* Não se preocupe, humana, há outros como você em meu covil. Você não se sentirá solitária... por enquanto.

*Outro portal se abriu no chão, sob o demônio e a garota, e engoliu os dois, teletransportando-os para outro lugar. A viagem astral seria desorientadora mesmo para Annabela, já que todos os seus sentidos seriam embaralhados. A única coisa que Annabela sentia com certeza era o calor extremo e a energia maligna que rodeava-lhe a todo instante, em maior quantidade agora, uma quantidade quase insuportável. Ela seria jogada novamente contra o solo e um barulho de ferro rangendo seria ouvido. Ela poderia concluir que havia sido jogada em uma cela, mas era impossível ter certeza, uma vez que sequer estava em seu plano natal.*



Annabela:
Tinha sido ignorada. Mas não podia esperar nada, além disso. Aquele homem não teria piedade dela, nem nada parecido. Chorou em silêncio durante todo o percurso até a ‘toca’ do monstro. Devia agradecer aos céus por pelo menos ele não ter feito nada contra Bark. Mesmo sofrendo, ele estaria vivo... e diante das circunstâncias, Annabela tinha mesmo que ser grata. Ele estaria seguro.

Soltou um gritinho assustado ao sentir o corpo ser jogado contra o chão de forma bruta. Arregalou os olhos, mais perdida do que nunca. Não tinha ideia de onde estava... e muito menos de como faria para fugir.

Dolorida, tentou ficar de pé, mas as pernas tremiam tanto que tornavam a simples tarefa em algo torturante. Não chegou a completar o gesto, pois no instante em que dobrava os joelhos, podia sentir uma energia tão pesada e intensa, que parecia ter criado braços, a empurrando no chão. Percebendo ser um deles, a jovenzinha gemeu baixo, levando as pequenas mãos ao rosto.

A única coisa que se lembrava de ter escutado com clareza era que não estaria sozinha. Provavelmente deveriam existir outros reféns humanos. Depois disso, Annabela se sentiu sendo agredida por luzes estranhas e pancadas imaginárias, que a fizera, fechar os olhos com força e ficar rangendo os dentes. Quando tornou a abrir os olhos, a dolorosa sensação já tinha passado, porém sua cabeça ainda reclamava, a deixando um pouco tonta e desorientada. Sem tentar lutar contra as mãos que a puxavam, Annabela deixou ser levada, e novamente jogada no chão, onde ficou, ofegante e sem forças.

Não tinha a mínima noção de onde estava. Só sabia de uma coisa... se tornara presa de demônios. E em suas atuais condições, não tinha nada e nem ninguém ao seu favor. Sempre tentara fugir de sua maldição, mas enfim, ela a tragara. E que Deus a ajudasse, pois ela não tinha noção de como se protegeria.

O que uma garota cega e pequena poderia fazer contra eles?



Narrador:
*Uma voz tiraria Annabela da escuridão na qual ela se encontrava.* Mais uma. Vá ajudá-la, Jaime. *Dizia uma voz feminina mais velha bem próxima. E uma voz masculina jovem respondia.* Ela parece bem desorientada. *E a feminina retrucava.* Todos nós chegamos desorientados aqui, Jaime. *Annabela então ouviu passos descalços vindos em sua direção e então sentiria uma mão jovem e firme segurar seu braço. Ela podia perceber que a pessoa em questão ajoelhou-se ao lado dela.* Ei, você está bem? Não se preocupe, não vamos te machucar. *Annabela não sentia nenhuma energia demoníaca vinda daquela pessoa e nem da voz feminina próxima a ele. Era difícil sentir isso, entretanto, já que a energia emanava de todo o lugar ao redor deles.*


Annabela:
Não sabia se ficava mais calma ou ainda mais nervosa diante das vozes desconhecidas. Por instinto, acabou se encolhendo mais, abraçando o próprio, como se pudesse fazer um escudo protetor em volta de si com os finos braços. Mas de nada adiantou...

O rapaz, Jaime, poderia senti-la estremecer quando a tocou, segurando seu braço. Annabela arregalou os olhos, como se o simples gesto tivesse provocado uma intensa dor. Entretanto, depois da fala dele, ela procurou relaxar... um pouco. Parecia respirar com dificuldade, como também demonstrava estar tentando se controlar. Por fim, levantou a cabeça, como se tivesse à intenção de encará-lo, porém seu olhar era sem foco, mais exatamente por cima do ombro esquerdo dele.

- Ainda estou um pouco tonta. É difícil manter a respiração tranquila num lugar tão pesado como esse – as mãos tremiam sobre o colo dela – Mas acho que o pior já passou – pensou melhor, abaixando a cabeça, mordendo o lábio inferior de leve – Ou talvez eu esteja enganada.



Narrador:
*O rapaz preferiu ficar em silêncio diante da afirmação de Annabela, mas a mulher mais velha aproximou-se e falou.* Sim, você está enganada. O pior ainda está por vir. Mas passaremos por isso juntos, se assim você quiser. *A mulher então observou bem a garota por alguns instantes, notando como o olhar dela nunca focava nos outros dois rostos à frente dela.* Ela é cega, Jaime. Temos que ajudá-la no que for necessário. *A mulher então ajoelhou-se também e continuou falando.* Meu nome é Catheryn e este é meu filho Jaime. Não sabemos há quanto tempo estamos presos aqui e nem sabemos onde. Eu apenas sei que há muitos demônios aqui e eles nos mantém presos por algum motivo. Eles também pegaram meu marido, Jon. Ele estudou demônios durante toda sua vida. Eu sempre disse a ele que isto nos traria desgraça um dia!

*Jaime interviu imediatamente.* Mãe, eu já disse que não adianta ficar lamentando. Nós temos que ficar vivos e encontrar uma saída deste lugar. Temos que continuar tentando. Eles só estão nos mantendo vivos para ter como chantagear meu pai, mas ele dará um jeito, e nós temos que ser fortes. *Catheryn respirou fundo e continuou.* Você está certo, filho. *E fitou Annabela.* Qual seu nome, criança? Por que o demônio a capturou? Ele... aquela coisa só traz gente aqui que pode servi-lo de alguma maneira.

Annabela:
Escutava as palavras dela, e por mais que já soubesse, ainda assim elas doíam. Era refém de demônios, e precisava da ajuda de pessoas desconhecidas... que pelo menos, pareciam ser boas. A mulher logo percebeu que ela era cega, o que evitou constrangimentos. E pelo que parecia, não era muito de poupar fala.

Quando ela se apresentou, ia fazer o mesmo, entretanto, a história que contava de repente veio como um raio em sua mente, lembrando algo muito familiar. Annabela chegou a arregalar os olhos, surpresa com tamanha coincidência. E triste... Pois seria ela a dar a péssima notícia. Não tinha certeza, porém precisava falar.

- Ah, eu... Meu nome é Annabela – abaixou a cabeça – Eu conheci um homem. Ele me pediu ajuda com alguns demônios. Disse que estudava sobre eles... e que precisava ajudar sua família – seu coração batia descontrolado, quase a deixando sem fôlego – De repente, ele se voltou contra mim, e... me trouxe. Porém, estava sendo controlado por um deles. Não pude resistir. Me ameaçou... Disse que... – ela levou as mãos até o rosto, e começou a tremer. Estava chorando – Sinto muito, mas acho que esse homem era seu marido. Depois de um tempo, não pude mais escutar a voz dele. Não sei se está bem, não consegui ajudá-lo... Perdoem-me por isso.

Mesmo se enxergasse, suas mãos estariam atadas. Não tinha forma alguma de lutar contra demônios. Não que ela soubesse, pelo menos.



Narrador:
*Catheryn ficou em silêncio por alguns momentos depois de ouvir aquilo. Então sentou-se definitivamente no chão, pois estava ajoelhada. Um chão quente, sujo, que carregava as marcas de violência e tortura cometida por aqueles demônios por incontáveis anos. Ela começou um choro contido, discreto, e Jaime permaneceu onde estava, apenas abaixando a cabeça. Permaneceriam assim por alguns minutos, uma espécie de luto pessoal. Era o máximo que podiam fazer por Jon. Era um silêncio entrecortado por gritos distantes naqueles corredores estranhos, sons de metal retorcido e chamas.

Se Annabela não dissesse nada também, Jaime quebraria o silêncio.* Mãe... pai sabia com o que estava lidando e ele sabia das consequências. Ele tentou nos salvar até o final. Não vamos deixar o esforço dele ser em vão. O mínimo que podemos fazer por ele é ficar vivos. *Catheryn fez um rápido afirmativo com a cabeça, mas era claro que ainda estava destruída emocionalmente. No fundo tinha certeza de que agora ela e Jaime seriam mortos, pois não tinham serventia alguma para o demônio. Mas não seria ela que iria ditar o destino. Seu filho era mais forte, e deixaria que ele fosse o mais forte.

Jaime continuou então.* Ele nos mandou algo, mãe. Ele nos mandou Annabela. *Jaime tocou o ombro da garota, falando para ela.* Tenha calma, nós vamos sobreviver juntos. Você disse que meu pai a encontrou, mas isso foi antes do demônio tê-lo possuído, certo? O que exatamente meu pai queria com você, por que ele te encontrou?



Annabela:
Sentia-se triste por aquela família, e ainda mais por ter sido a portadora da péssima notícia. Mas se fosse uma situação contrária, também iria desejar saber do paradeiro de um ente querido, e se o caso tivesse sido igual... Fazer uma oração para que sua alma pudesse descansar em paz. Um silêncio intenso e pesado se formou entre os três... Mentalmente, Annabela fez uma prece por aquele homem. E aproveitou para pedir que ambos conseguissem sair dali, com vida, de preferência.

Escutava as palavras do rapaz, o que a deixou surpresa. Num momento difícil como aquele, ele conseguia arrumar forças. Imaginava que fosse principalmente por causa de sua mãe. Eles não podiam e entregar, de forma alguma. Arregalou os olhos quando Jaime mencionou seu nome, tornando a se surpreender. Sentiu o peso de uma mão grande em seu ombro, por isso imaginou ser a dele. Estremeceu diante do toque.

- É, foi antes dele ter sido possuído. Quis conversar comigo e pediu para que tocasse num pano, uma pele... de demônio, na verdade – gaguejava algumas vezes, bastante nervosa.

Teria que revelar o que Jon já sabia. De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, ambos descobririam. Fechando os olhos, e respirando fundo, Annabela começou, num tom baixo e mais calmo.

- Eu sou uma sensitiva... E tenho visões. Porém... – soltou um suspiro, que mais pareceu uma sufocação – Só quando os demônios estão envolvidos. Isso já deve responder o motivo de seu pai ter me procurado.

A simples palavra queimava sua língua.



Narrador:
Sensitiva? Então você é uma daquelas pessoas das quais meu pai sempre falava, que podem entender a língua dos demônios e ver tudo o que eles escrevem ou produzem? *Analisando agora, a força de Jaime em não se abalar pela morte do pai começava a parecer descrença. Era como se ele não acreditasse na morte do próprio pai e ainda tivesse esperança de sair daquela prisão e encontrá-lo. É a única coisa que poderia mover o rapaz em uma situação como essa.

O rapaz olhou ao redor. Estavam em uma cela comum, com 3 paredes normais. A restante, entretanto, era transparente e agia como um campo de força, que impedia a saída dos prisioneiros. Quem estava dentro da cela também podia ver o lado de fora, que resumia-se a um pedaço de um corredor escuro que provavelmente estendia-se por muitos metros e continha muitas outras celas. Jaime continuou.*

Um demônio sempre vem para nos levar e nos torturar. Eu e minha mãe não entendemos nada do que ele fala. Sempre que ele entra aqui, ele toca a parede invisível com a ponta do dedo algumas vezes e só depois atravessa. E quando somos trazidos de volta, ele faz a mesma coisa para nos trancar aqui. *Catheryn resolveu quebrar seu silêncio fúnebre e disse.* A cada vez que eles nos pegam, eu não sei se vou sobreviver ou se verei Jaime novamente. É horrível... *Disse, enxugando algumas lágrimas. Jaime então continuou.* Será que você conseguiria entender o que ele faz? Você conseguiria fazer o mesmo, Annabela?



Annabela:
- Sim, exatamente. Ele disse que ainda não sei controlar meus poderes, mas... Percebo que terei que aprender. Assim, poderei ajudar a todos nós. Só não sei como fazer isso.

Abaixou a cabeça, começando a se sentir agoniada. Em todos esses anos, sua cegueira nunca foi tão incomoda como naquela hora. Afinal, aquelas pessoas precisavam dela, e era uma questão de vida ou morte. Literalmente.

Levou uma das mãos até os lábios, não acreditando que... Porém, fazia sentido. Até parece que demônios tratariam seus reféns com cafezinhos quentes e uma macia cama para dormir. No entanto, procurou se concentrar no que ele dizia, e deduziu que havia uma barreira envolvendo as celas. Quando, enfim, ele terminou de falar, Annabela soltou um suspiro, ficando pensativa.
- Existe uma barreira envolvendo as celas... Dependendo da intensidade, pode até matar alguém que tente escapar. Ou talvez seja para esconder as presenças humanas aqui, não sei ao certo. São muitas suposições. Porém, eu posso ajudá-los. Consigo entender claramente o que eles dizem, e bem, tentarei falar algo, para que eles não o matem... Vou fazer o possível para ajudá-los.



Narrador:
Obrigado, Annabela. *Agradeceu o rapaz, tocando o ombro dela novamente e então Catheryn também agradeceu.* Obrigada, criança. Você de fato veio como uma benção para nós neste lugar terrível. *O rapaz continuou então.* Quando eles vierem então, você tem de...

*E não houve tempo para que o rapaz terminasse o raciocínio. Passos pesados poderiam ser ouvidos do corredor. Logo, uma criatura bestial de braços largos e grandes e uma longa cauda parou em frente à cela. Annabela podia sentir a energia demoníaca emanando fortemente da criatura, ela também podia ouvir a respiração pesada da besta. Apesar de ter planejado tudo e já ter sido levado várias vezes pelos demônios, Jaime ainda sentia muito medo. Ele abraçou Annabela de lado, sentado ao chão, mas não se sabia se ele fazia isso para protegê-la ou pelo medo que sentia. Catheryn se juntou aos dois, e ficaram assim juntos enquanto o demônio abria a cela exatamente como Jaime havia descrito. Só agora Annabela podia perceber, pelo contato próximo, que Catheryn e Jaime estavam nus. E pelo que Annabela podia dizer ao tocá-los, a saúde deles era extremamente frágil. Claro, os demônios não forneciam roupas aos humanos, pois eles mesmos não usavam nenhuma, e provavelmente alimentavam muito mal os humanos. Roupas eram desnecessárias em um lugar onde torturas e abusos eram constantes.

Annabela podia visualizar a operação que o demônio realizava na barreira mágica em forma de sinais visuais. Mesmo cega, ela via os símbolos surgindo na barreira invisível, como se o demônio tivesse usado um código. Era um código de 4 símbolos que Annabela podia reproduzir facilmente se memorizasse a sequência. O demônio então adentrou a cela e teve que curvar-se, pois ele era maior do que o recinto, e parou em frente aos 3 humanos, falando em sua língua. Cat e Jaime não entenderiam, mas Annabela entenderia perfeitamente.*

<Que bom, um humano novo. E esse ainda está com a embalagem.> *Disse o demônio, referindo-se às roupas de Annabela.*



Annabela:
Ficou um pouco sem graça com a fala dos dois. Apesar de ter poderes, se não soubesse usá-lo, seria totalmente inútil. Devia estar preparada para quando eles chegassem. Levaria algum tempo, mas tinha certeza que conseguiria. Tinha que acreditar nisso.

Quase desmaiou ao ouvir passos. Foi atingida por uma intensa energia que provocou uma dor de cabeça infernal. Irônico, não? Entretanto, não se deixaria abalar. Sentiu o braço de Jaime a envolvendo, e isso a fez ficar um pouco melhor. Não estava sozinha... Podia confiar neles. Concentraria-se nisso. Mas... também não podia ignorar o fato deles estarem nus. Mesmo que fosse ridículo numa situação como aquela, Annabela corou, abaixando a cabeça, porém por pouco tempo. Engoliu em seco.

Quando os símbolos invadiram sua mente, ela ficou assustada no começo, mas logo entendeu o que se passava. Fez um imenso esforço para gravar aquilo em sua cabeça. Cada detalhe, cada movimento... Tudo que pudesse. Talvez fosse útil em algum momento.

Rangeu os dentes quando ele começou a falar, sabendo que não ser o mesmo que a trouxe. Começou a ficar desesperada, pois não queria que ele lhe tocasse, ainda mais para tirar suas roupas. Agarrou-se em Jaime, assustada. Tinha medo de falar alguma coisa, e acabar o irritando. Não sabia em quem ele poderia descontar.



Narrador:
*O demônio então agarrou o pé de Annabela e começou a arrastá-la para fora da cela. Jaime e Cat tentaram segurá-la, puxando-a no sentido contrário, mas o demônio era muito forte. Annabela só pôde ouvir a voz de Catheryn.* Tenha força, criança! Seja forte! *E já estaria fora da cela, sendo arrastada pelo pé. A barreira de magia se fecharia novamente automaticamente com a saída do demônio.

O demônio começou a cantarolar uma canção enquanto arrastava Anna. Uma canção que descrevia coisas horríveis, mas que devia ser algo comum entre eles. Anna podia ouvir os choros e gritos de outras pessoas nas outras celas pelas quais passava. Algumas daquelas vozes não eram humanas. Havia criaturas ali das raças mais variadas, disto ela podia ter certeza.

O demônio então alcançou uma sala um pouco maior que foi aberta com o mesmo método da cela, mas o código era diferente. E ao invés de uma barreira invisível, era uma larga porta de ferro. Ele adentrou a sala, ainda segurando Anna pelo pé, e então trancou a porta atrás de si. Anna podia visualizar nas paredes desenhos e palavras feitas com magia demoníaca. Algumas eram palavrões da língua deles, outros eram desenhos obscenos.

A criatura largou o pé dela e, em no máximo 3 movimentos, arrancou as roupas dela com as mãos violentamente. Ele não seria delicado, portanto, o corpo de Anna seria jogado de um lado para outro enquanto ele fazia isso. Ele jogaria os trapos em um canto da sala e o fazia com tal naturalidade que era de se supôr que ele já havia feito aquilo muitas vezes com muitas criaturas.*



Annabela:
Não conseguia controlar o medo que a invadia com violência. Começou a tremer, como se estivesse com muito frio. Porém, essas reações não se compararam em nada com a seguinte... Um grito aterrorizado saiu rasgando a garganta dela quando o demônio começou a puxá-la pelo pé.

- NÃO! PARE! ME SOLTE!!!

As tentativas de Catheryn e Jaime foram inúteis, e logo Annabela foi arrastada, para longe deles. Fartas lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ela já não gritava mais. Não era como eles, não tinha de onde tirar forças. A música entrava em sua mente como se fosse uma ameaça... Como se o demônio estivesse descrevendo exatamente o que iria fazer com ela. Aquilo só aumentou o seu pavor. Não tinha dúvidas de que morreria na primeira sessão de torturas.

Tudo contribuía para que ela ficasse ainda mais apavorada. A musiquinha, os gritos... os choros. A mente de Anna se embaralhava, atormentada, imaginando que ela seria a próxima. Entretanto, as imagens seguintes não causadas pelo medo, e sim símbolos reais... e que só a fizeram querer gritar.

Não se sentiu melhor quando o demônio largou seu pé, sabendo que tinham chegado no lugar desejado por ele. Foi tudo muito rápido. Annabela começou a gritar quando ele lhe arrancou as roupas, as rasgando com violência. Quando terminou, ela caiu no chão, trêmula e pálida. O corpo sinuoso estava encolhido e dando leves convulsões por causa do choro silencioso dela. Os finos braços cobriam os seios redondos e macios. Algumas marcas avermelhadas começavam a se evidenciar na tez sensível.

- Vai me... machucar... agora? – não conteve impulso, sabendo que poderia ser agressivamente advertida.


Narrador:
Você fala minha língua! É raro ver humanos que sabem falar assim. *Observou o demônio, que ignorou completamente a pergunta dela, mas era de se esperar que Annabela não sairia completamente ilesa dali.* Nosso líder me avisou de você. Disse que você é importante para ele, que era para deixá-la viva. "Mas eu sempre deixo todo mundo vivo", eu respondi. Claro que, às vezes, eu não consigo cumprir essa promessa. *O demônio deu uma longa risada, andando até uma fornalha que havia no canto da sala. Ele pegou um ferro em cuja ponta havia a forma de um símbolo demoníaco, e colocou o ferro no braseiro.* Nosso líder pediu pra marcar você, nós temos que marcar todo mundo que pertence a ele. E você pertence a ele agora. *Enquanto o ferro esquentava, o demônio aproximou-se dela.* Eu adoro humanos, a maioria dos outros demônios não gosta. Acho humanos tão gostosos.

Annabela:
Não devia ter se exposto daquela maneira. Deveria ter ficado calada... Não tinha noção de como aquele simples fato pudesse prejudicá-la, mas sabia que a colocaria em maus lençóis. Abaixou a cabeça, ainda abraçando o próprio corpo, tremendo cada vez mais diante da fala dele. E o que ouviu a deixou ainda mais assustada, como pensou não ser possível.
O líder a queria viva... E ela tinha certeza que isso não era nada parecido com sorte. E de repente, Annabela desejou morrer naquela primeira sessão de tortura. Cada som, por mais baixo que fosse, provocava reações violentas nela.
- Me... marcar? - aquilo não tinha soado muito bem. Várias maneiras de ser marcada se passaram em sua cabeça, e nenhuma delas pareceu... leve - Quem é seu líder? Foi o homem que me trouxe...?
Era inútil tentar uma conversa com um ser desses. Annabela prendeu o mesmo lábio entre os dentes certinhos. Diante dele, parecia ser ainda menor e mais frágil. Uma criaturinha linda e vulnerável... Um delicioso aperitivo.

Narrador:
Você faz muitas perguntas, humana. Humanos não fazem perguntas, humanos ficam aqui e gritam de dor. *O demônio deu uma risada irônica.* Isso será ainda mais divertido, você não pode me ver, mas eu posso ver você! *Isto soaria até meio infantil de qualquer boca mas, saído do demônio, era assustador. Ele então afastou-se, voltando até a fornalha e pegando o ferro quente. Até mesmo a parte em que o demônio segurava estava quente, mas a pele dele não sofria nenhum dano pela alta temperatura. Ele agarrou Annabela com sua grande mão de 3 dedos, que cobriam quase o tronco inteiro dela, e segurou o ferro no rumo do braço dela.* Essa é minha parte favorita. Adoro como vocês gritam quando eu faço isso. *O demônio, então, meteu o ferro em brasa no braço de Annabela, marcando a pele dela com o símbolo demoníaco. Ele voltaria até a fornalha em seguida, deixando o ferro ali, e voltaria a se aproximar.*

Você é muito branca, humana. Tem de ficar mais vermelha, como nós. *O demônio então sequer esperou que Annabela terminasse de sofrer pela pele queimada e a segurou pelo braço não marcado, erguendo-a ao ar. Em seguida, desferiu um soco com a grande mão no corpo nu dela, na região da barriga, o que criaria uma marca instantânea.* Agora está melhorando! *O demônio daria mais uma risada que mais parecia um grunhido.

Independente se ela desmaiasse ou não pelo golpe, a "privacidade" deles seria invadida por um golpe na porta de ferro daquela sala. Uma besta demoníaca, parecida com a que segurava Annabela, adentraria a sala e esmurraria o demônio torturador, jogando-o contra a parede.* Quem deu permissão a você para pegar esta prisioneira? Eu disse que a queria viva. E você nunca deixa seus brinquedos vivos. *Tudo era falado na língua Infernal, mas Annabela naturalmente entenderia tudo. O demônio recém chegado continuou.* Suas ordens são para pegar os outros humanos da cela dela. Não preciso mais deles. *Annabela reconheceria aquela energia demoníaca. Aquele era o demônio que a capturou, possuindo o corpo de Jon, o velho que encontrou Annabela.*

Annabela:
Mesmo ela sabendo que não era pra dizer, mas mesmo assim falou. E sabia que teria que pagar com a língua por causa disso. Começou a choramingar, não querendo implorar que o demônio não a machucasse. Como a mulher, Cat, disse, tinha que ser forte. E seria, por eles, por Bark, e até por ela mesma. Fechou os olhos, buscando se acalmar, mas quando ele a segurou pelo braço, Anna gritou, assustada. Mas não esperava o que vinha a seguir... Essa era uma das desvantagens em ser cega. Não podia se preparar para o desconhecido. Um grito lascivo de dor saiu rasgando sua garganta ao mesmo tempo que lágrimas rolavam pelo bonito rosto. Sua expressão estava contorcida numa careta de imenso sofrimento. A marca parecia enorme no delicado braço.
Ainda chorando, sentiu-se ser erguida, e perdeu o fôlego, ficando tonta quando o demônio acertou um golpe forte em sua barriga. Uma mancha roxa rapidamente se formou, marcando a pele sensível. Não conseguia abrir os olhos, e se sentia sufocar. Tossia freneticamente, pensando que fosse morrer de falta de ar. Não sabia explicar a dimensão da dor que sentia.
De repente, sentiu seu corpo cair no chão, e lá ficou, imóvel, ainda agonizando. Caiu de barriga para cima, onde um dos braços - o que não estava queimado - se mantinha sobre a mesma. Tinha notado a nova presença, mas mal tinhas forças para identificá-la. Sua cabeça latejava, com se alguém estivesse a martelando sem piedade.
Aos poucos, ia escutando o assunto, e começava a reconhecê-lo. Desesperou-se quando seus companheiros de cela tomaram o papel principal da conversa.
- Não... - conseguiu dizer, em sussurros - Não... por favor... Eu aguento, deixe-os em... paz...

Narrador:
*Os dois demônios pararam de falar e fitaram Annabela depois de ouvir o que ela tinha dito. O demônio principal então, o que parecia ser o líder, aproximou-se, dando uma fungada que faria os cabelos dela mexerem, e falou.* Então você sofreria por eles? Vocês humanos são patéticos... sempre tentando ser heroicos em relação a seus semelhantes. Pois muito bem, humana. Você terá sua chance. *O demônio líder então segurou Annabela e a ergueu até algumas correntes e grilhões que havia na parede atrás de si. Ele a acorrentou ali pelos pulsos e a deixou suspensa, encostada na parede, enquanto ordenou que o outro demônio fosse buscar os companheiros de cela.

Não tardaria até que o outro demônio adentrasse a sala arrastando Catheryn e Jaime pelos pés. Ele os largaria ali no centro da sala e fecharia a porta atrás de si. Cat e Jaime ficariam abraçados e seus rostos deixando claro o medo que estavam sentindo. Até que Jaime reconheceu Annabela acorrentada na parede.* Anna! Você está viva! *Cat diria uma frase parecida e observaria Anna, vendo as marcas em seu corpo, e percebendo que a garota permaneceu forte. O demônio torturador então acorrentou Cat e Jaime na parede oposta àquela onde estava Annabela. O demônio líder então voltou a falar. Naturalmente, Cat e Jaime não tinham ideia do que ele estava dizendo.*

Então, Annabela, como os humanos a chamam... você terá a sua chance. Eu não preciso mais de nenhum deles, eles virarão comida para meus outros demônios menores. Mas você tem a chance de salvá-los. Salvar apenas UM deles. Você deve escolher, Annabela. Quem deve viver? A mulher ou o homem?

Annabela:
Ele não precisou fungar perto dela para Annabela notar sua aproximação. De todos os demônios, aquele era o mais conhecido para ela. Talvez porque tivesse sido o próximo que a trouxera para aquele inferno tão particular. Com esforço, e os braços rodeando a barriga dolorida, ela se sentou, já conseguindo respirar um pouco melhor. Poderia revidar a fala dele, porém tinha chances de não sair viva daquela vez. Sua mente começava a criar uma forma pra ele: enorme, mãos compridas e ásperas, chifres... Um perfeito pesadelo infantil.
Estremeceu quando ele a puxou de novo, prendendo seus punhos com algo gelado, e pelo som, deviam ser correntes, ou algo parecido. Ficar suspensa daquele jeito lhe causava vertigens, que ela procuraria ignorar, pelo seu próprio bem. Eles não seriam piedosos, tinha que enfiar essa verdade em sua cabeça. O silêncio se instalou por um tempo, até que certa movimentação voltou a acontecer. E quando escutou a voz de Jaime, desesperou-se. Eles o machucariam. Começou a se debater, nervosa e com medo.
- Não! Então os deixem ir embora, eles já fizeram sua parte! Não causem mais sofrimento para essa família!
Não podia escolher entre um e outro. Seria muita crueldade. Continuava tentando se soltar, mas era em vão, e acabava causando mais machucados.
- Você é um monstro!!! - ela gritava, sem se controlar agora - Um maldito monstro! Impiedoso! Não vou escolher entre nenhum deles, e o que eu puder fazer para prejudicá-lo, farei! E você sabe que posso fazer isso!!! Você sabe disso!
Ela chorava, e apesar da fúria, estava amedrontada. Mas suas palavras não eram mentirosas.


Narrador:
*O demônio então falou mais alto, quase gritando para ela.* Se não escolher, os dois morrem! É isto que você quer, humana Annabela?? Você tem a chance de salvar um deles! Aproveite! *Enquanto isso, o demônio torturador ficava indo de um lado a outro, hora perto de Jaime, hora perto de Cat, e passava a mão neles, provocando-os. Ele estava adorando a situação. Cat e Jaime estavam naturalmente assustados e agora não entendiam mesmo o que se passava, já que não compreendiam o que Anna falava.*

Annabela:
Annabela não sabia o que fazer. Não podia simplesmente escolher um dos dois. Não tinha essa frieza. Arregalou os olhos, com os lábios, ou melhor, todo o corpo trêmulo. Começou a chorar, desesperada.
- Não mate nenhum deles, por favor. Eu faço o que você quiser, pode me matar, me torturar, mas deixe-os livre. Faço um pacto de ficar a sua mercê, mas tenha piedade!
Abaixou a cabeça, o corpo dando solavancos a cada soluço de choro. Aquela família já tinha sofrido demais, não merecia aquilo.


Última edição por Lei Keylosh em Sex 17 Ago 2012, 11:18, editado 3 vez(es)
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Mensagem por Lei Keylosh Sex 17 Ago 2012, 11:11

Narrador:
*"Pacto". Annabela havia dito a palavra mágica para todo demônio. O demônio líder deu um sorriso, se é que poderia ser reconhecido assim naquela face monstruosa, e aproximou mais o rosto.* Humana esperta. Você acabou de dar um novo propósito a seus semelhantes. Eles ficarão vivos... enquanto você me servir. *Ele então fez um sinal para o torturador para que Cat e Jaime fossem levados de volta à cela. O torturador soltou um grunhido de desgosto. Ele não havia matado nenhuma criatura naquele dia. Ele soltou Cat e Jaime das correntes e os arrastou para fora da sala. Cat voltou a falar sua frase, antes da voz dela sair do alcance de Anna.* Seja forte, Annabela!

*O silêncio voltou a reinar na sala então, entrecortado apenas pelos soluços de choro de Anna e pela respiração pesada do líder. Os grilhões foram abertos e Anna soltou-se das correntes, mas foi segurada pelo demônio antes que pudesse cair ao chão. Segurando-a com as duas grandes mãos, ele a carregaria para fora dali.

Embora não tivesse ideia de seus arredores, Annabela via muitos sinais visuais de barreiras mágicas e runas demoníacas ao longo dos corredores por onde passava carregada pelo demônio líder. Ele andaria por alguns minutos até alcançar uma outra sala, bem maior do que a sala de tortura, que cheirava melhor e onde a temperatura era mais amena. A criatura deitou Anna sobre algo relativamente fofo, pela textura parecia ser pele de algum animal selvagem, várias delas formando um colchão. Anna poderia ouvir o demônio se locomovendo pela sala e parando. Então ela ouviria um som de carne transfigurando-se, mudando, e alguns grunhidos vindos do líder. A respiração dele ficou mais leve e ele não deslocava mais tanto ar para se locomover.*

Annabela:
Permaneceu em silêncio, diminuindo o choro aos poucos. Sentia-se ofegante, como se tivesse corrido sem parar e por horas. Desde que chegara ali não tivera um momento se quer de paz. E duvidava muito que isso fosse acontecer... algum dia. Soltou um longo suspiro que mais pareceu um gemido de intensa dor. Não só seu corpo reclamava, como seu peito. E no meio daquela desgraça, um bálsamo para aliviar um pouco de seu sofrimento: Cat e Jaime não seriam mortos. Diante da sentença, fechou os olhos, um pouco aliviada.

Agora... esperava que ele cumprisse com sua palavra, e não arranjasse uma forma de burlá-la.

Só os dois estavam presentes, e Anna podia senti-lo muito perto. A respiração quente era praticamente jogada contra seu rosto, a fazendo abaixar a cabeça. Tudo ali parecia pesado demais para ser suportado. Ele então, a libertou e quando pensou que seu corpo fosse cair mais uma vez no chão, sentiu ser envolvida pelas mãos dele, e isso a fez estremecer... Não eram mãos humanas.

Não disse absolutamente nada durante o caminho, sentindo-se esgotada demais. Os símbolos as barreiras... Era tanta coisa que Annabela não fez menção de prestar atenção. Pelo contrário, queria afastar aquilo, e se alguém tivesse piedade, deixá-la dormir para ver se aquela dor de cabeça passava. Chegou a fechar os olhos, torcendo para não ser repreendida. Depois de alguns minutos, ele a colocou numa espécie de colchão, que graças aos céus, era macio e quente, mas nada exagerado. O demônio poderia escutá-la gemer de prazer com o simples contato. E mesmo correndo o risco de levar uma bronca – que viria acompanhada de pancadas, claro -, ela se aconchegou melhor, ficando encolhida, e ainda com os olhos fechados. Os grunhidos a fizeram estremecer, encolhendo-se ainda mais, porém não arrancaram uma palavra se quer dela.


Narrador:
*Ela sentiu então o demônio aproximando-se, deitando-se sobre as peles ao lado dela. Ele a tocava no braço e ela podia perceber que sua mão tinha 5 dedos e o tamanho igual a de um humano. Quando ele encostou seu corpo nu ao dela, seu peito colando-se às suas costas, ela podia perceber que o corpo dele tinha forma humana.* Todo pacto tem um contrato. Você deve assinar o seu. Mas logo perceberá que fez a coisa certa. *Disse ele, quase sussurrando ao pé do ouvido dela. Embora sua pele ainda fosse dura e áspera, seu corpo era o de um humano robusto. Até mesmo sua voz mudara, passando de um grunhido bestial para uma voz masculina sedutora. Ele a envolveu com seus braços fortes e uma onda de energia percorreu o corpo dela e faria a dor física parar. A marca no peito sumiria, bem como nos pulsos.*

Viu? A dor foi embora. O sofrimento foi embora. Tudo o que tem de fazer agora é colocar sua mão aqui. *Uma pequena orbe de energia surgiu à frente deles. Annabela podia ver a orbe da mesma forma que viu todos os outros símbolos demoníacos.* Apenas toque isto e você será minha. Mas também terá tudo o que sonhou... e seus companheiros humanos sobreviverão. *Sussurrou novamente, enquanto a mão dele acariciava a cintura dela de forma lasciva. Era tudo um jogo de sedução, confusão dos sentidos, pactos e contratos. As armas de todo demônio, e ali estava um experiente.*

Annabela:
Estremeceu quando o demônio se deitou ao seu lado, pensando nas piores coisas possíveis. Mesmo que o toque não a tivesse machucado, Anna gemeu alto, como se tivesse sido agredida. Para em seguida... Abriu os olhos, surpresa ao perceber que uma mão humana a tocava, assim como o corpo nu que se colava muito intimamente ao seu. A humana prendeu a respiração, nervosa. Era muito claro que o demônio tinha assumido uma outra forma. Ia respondê-lo, mas calou-se quando os braços a envolveram, causando mais tremores. Só que estranhamente, não se sentiu dor, nem nada. Apenas uma sensação de conforto, como se um grande peso tivesse sido tirado de suas costas.

Não falava nada, apenas o escutava, acompanhando com os olhos cegos, os símbolos que apareciam na sua frente. De repente, ele se calou, deixando a escolha em suas mãos. Um pacto com um demônio? Sua vida presa... a dele? Annabela não sabia se suportaria conviver todos os dias ao lado de um homem que a maltrataria. Afinal de contas, só porque ela tinha um dom que o servia, não significava que por isso seria uma espécie de protegida. Passou um dos braços sobre os seios, só agora bem ciente de sua nudez. Não era o corpo disforme de um deles que a envolvia, e sim de um humano forte e quente.

- Não faço isso por mim... e sim, por eles. Terá que deixar todos... todos vivos, está bem? Não mexerá com Cat, Jaime e muito menos com Bark.

Com a mão livre, ela tocou procurou a do demônio, e quando a encontrou, entrelaçou os dedos, trêmula e muito nervosa. Mas aquela era a maneira dela de selar um acordo.

- Você... promete?



Narrador:
Demônios não fazem promessas, humana. Eles são submissos a seus pactos. Se a sobrevivência de seus amigos estiver no pacto, então eles ficarão vivos. Mas os seus deveres também farão parte do acordo. *Dito isso, o demônio segurou a mão dela daquela forma e a orbe desapareceu. O demônio sorriu, o mesmo sorriso que todo demônio mostra no selamento de um pacto altamente benéfico.* Você é minha agora. Deverá dirigir-se a mim como Mizabel. *Disse ele, segurando-a pelos ombros e colocando-a deitada inteiramente sobre as peles. Ele deitaria sobre ela em seguida, segurando seus braços com as mãos e começaria a beijar seu pescoço com vontade e lascivamente. Sua língua, que mantinha as formas demoníacas mas proporções humanas, roçava na pele tenra dela, molhando-a com sua saliva quente.*



Annabela:
- Então... – procurou manter o tom de voz firme – O pacto está feito.

Não tinha mais volta. Sentenciara sua própria vida a mercê dele. Isso faria com que os outros tivessem um futuro. Aquelas pessoas mereciam... Seu sacrifício não tinha sido em vão. Quando ele apertou sua mão, tornou a estremecer. O acordo estava selado... para sempre. Como ele mesmo dissera, era dele agora.

- Mizabel?

Arregalou quando ele a deitou sobre as peles, e em seguida ficou sobre si. Não lembrava dessa parte estar incluída no acordo. E muito esperto da parte dele, já segurou seus braços, a impossibilitando de empurrá-lo, ou tentar se defender.

- Espere... Isso... Você não disse que eu teria que fazer coisas desse tipo... – ela sussurrou, nervosa.

Entretanto, a maneira como a língua dele se movia em seu pescoço... Era de alguma forma, prazerosa. Annabela não conseguiu conter um suspiro, que diferente dos outros, não demonstrava repulsa.



Narrador:
Sua vida me pertence, Annabela. Eu posso fazer o que quiser com você... *Enquanto a língua dele continuava a percorrer o pescoço dela, o novo corpo do demônio roçava no dela. Sua pele era muito quente e a rigidez da mesma estimulava a pele de Annabela ao invés de machucá-la. A pele do demônio parecia feita de escamas, onde cada pequena parte roçava na pele de Annabela e despertava os sentidos de seu corpo. Ele posicionou seu quadril por entre as pernas dela e seu peito roçava-se em seus seios macios. A língua do demônio então, que era ligeiramente maior que a de um humano, subiu até a boca dela e passou a explorá-la. Ele penetrava toda sua língua demoníaca na boca dela, enrolando-se na língua dela. O gosto do demônio era amargo no começo, mas conforme a saliva dele descia pela garganta de Annabela, o corpo dela era tomado por um relaxamento repentino.*



Annabela:
Sua vida, seu corpo, sua alma... Tudo pertencia aquele demônio. Mas ela já devia imaginar a dimensão do acordo. Não seria ela em quebrá-lo, caso contrário, ele teria o mesmo direito... e poderia descontar isso em pessoas inocentes. E Mizabel o faria, não tinha dúvidas. Teria que aguentar, ou melhor, se acostumar com aquilo.

Precisava se acalmar, e fingir que aquilo não a atingia...

- Pensei que... – começou, em meio de suspiros baixos - ... vocês não gostassem de humanos.

Diferente dele, Annabela era macia, pequena... Magra, porém sinuosa e delgada. E parecia reagir ao roçar dos corpos, como se aquela fosse a primeira vez que alguém a tocava assim. Principalmente um demônio. Por mais que estivesse assustada, ainda assim...

Aquilo não podia ser chamado de beijo. Não daquela forma voraz, onde só a língua dele trabalhava. Ela fechou os olhos com força, sentindo-se perder o fôlego. Mas com o passar do tempo, uma dormência passou pelo seu corpo, a fazendo relaxar. A tensão sumiu, e ela se viu mole sobre as peles.



Narrador:
Na verdade, os humanos me fascinam. *Murmurou o demônio.* Me fascinam pelo modo como são facilmente manipuláveis quando se puxa as cordas certas. Agora descanse. Precisará de suas energias. Você encontrará Lei Keylosh para mim. *Dito isso, o demônio saiu de cima dela, levantando-se, e depois desapareceria através de um portal no ar. Ela estava sozinha naquela grande sala e sabendo que era a mesma pertencia ao líder, ela sabia que não seria incomodada se resolvesse descansar ali.*


Annabela:
- Fascinam? – aquela resposta a pegou de surpresa, mas Annabela resolveu não insistir.

Pelo que parecia, eles teriam um longo tempo para conversar. Uma vida inteira, na verdade. Quando ele saiu de cima dela, teve a louca ideia de pedir para que ficasse. O calor que vinha de Mizabel a deixava acolhida, e aquilo era muito estranho. Talvez fosse o cansaço.

Lei Keylosh... A imagem do homem louro lhe veio na cabeça. Quem seria, na verdade, ele?

Cansada demais para pensar, Annabela puxou uma das peles sobre o corpo, se aquecendo, e fechou os olhos, não demorando para cair no mais profundo sono.



Narrador:
*Ela não tinha como medir a passagem do tempo, mas provavelmente passaram-se horas até que Mizabel voltasse para a sala. Ele aproximou-se das peles e tocou o ombro de Annabela.* Acorde, Annabela. Está na hora de honrar seu contrato.

*Supondo que ela despertaria imediatamente, Mizabel apontaria uma mesa na sala. Sobre a mesa havia uma jarra com água e várias frutas.* Coma, recupere suas forças. *Ele permaneceria parado, ainda nu na forma humana. Ele sempre usava aquela forma próximo a ela, talvez a deixasse mais confortável ver a imagem de um semelhante do que uma besta monstruosa, e dessa forma ela conseguiria concentrar-se melhor na missão.* A pele que o velho mostrou para você na taverna era de um demônio que eu mesmo torturei. Esse demônio era de uma casta menor e muito, muito descuidado. Entretanto, ele era bom em obter informações e ele sabia da provável localização de Keylosh.

*Mizabel deu alguns passos para o lado, continuando.* Segundo estas informações, Keylosh faz parte de uma ordem cuja base é altamente fortificada e regida por um dos maiores líderes deste continente. Nem mesmo com todas as minhas forças demoníacas eu conseguiria invadir o lugar e mesmo se conseguisse, não haveria certeza da localização ou da própria existência da arma que Keylosh carrega. *Fez uma pausa, continuando.* Você se infiltrará na cidade deles e descobrirá a localização da arma mágica. Eu não sei como é essa arma, o que ela é ou em qual forma se encontra. Você terá que descobrir isto.

*Logo em seguida, uma humana e uma elfa adentraram a sala. Ambas eram muito jovens, trajavam coleiras de ferro e roupas sujas de escravas. Com certeza eram saídas de outra cela daquela masmorra infernal que Mizabel controlava. Ele apontou as duas mulheres.* Elas a limparão e ajudarão a vesti-la. Você se passará por uma mercadora de artefatos que entrará na cidade a negócios. Este é o plano inicial, mas ele pode mudar. Manteremos comunicação mental, isso será fácil devido às suas habilidades. Lembre-se que eu tenho seus amigos em meu poder e há demônios vigiando seu amigo da taverna. Eu saberei se você desistir ou fugir da missão. E eu também posso acabar com a sua vida. *Encerrou, num tom sério. Esperava que ela tivesse perguntas.*



Annabela:
Rapidamente abriu os olhos ao sentir a mão tocando seu ombro. Despertou assustada, sentando-se, trazendo a pele junto, cobrindo o próprio corpo. Coçou os olhos com a mão livre, fazendo o possível para ficar desperta o mais depressa possível, pois ele já falava coisas importantes.

Quando ele falou sobre as frutas, no mesmo instante o estômago dela reclamou, faminto. Porém, não se mexeria até que ele terminasse de falar. Precisava prestar atenção, e à medida que fazia isso, se assustava, pois não tinha ideia de como executaria aquela missão. Será que ele tinha esquecido que era cega? Estremeceu diante da informação, lembrando-se da pele que lhe causara grande desconforto.

- Mas... Se você mesmo o torturou... Não conseguiu obter a informação desejada? – não queria insinuar que ele tinha falhado, mas era o que parecia.

Continuou o escutando, realmente sem saber o que dizer ou fazer. Se falasse que não conseguiria executar a missão, ele mataria seus amigos e até a própria. Não podia pedir ajuda, nem nada. Estava muito encrencada. Esperou que ele terminasse de falar. Percebeu a presença das outras meninas, como também notou que não eram demônios. Quase podia sentir o cheiro do medo. Seria quente como aquele inferno?

- Não precisa ficar me lembrando disso... – disse num tom atrevido e irritado – É mais fácil você falhar do que eu. Não quero que ninguém se machuque – soltou um largo suspiro, e com cuidado, começou a se levantar, ainda um pouco sonolenta – Certo... Eu já tenho uma ideia de como seja essa arma, mas... Não tenho certeza. Não saberei me deslocar pela cidade, não a conheço... E por que acha que esse tal de Lei Keylosh me receberia ou algo do tipo? Seria apenas uma simples mercadora humana...



Narrador:
Ajudem-na. *Disse Mizabel, e as duas escravas iriam até Annabela guiando-a até a mesa e ajudariam a se mover ou até a comer se ela precisasse. Enquanto isso, Mizabel continuaria falando.* A criatura que eu torturei também não tinha informações completas. Há muitos boatos no Submundo, é difícil definir o que é fato e o que é especulação. Mas pode ter certeza de que extraí tudo o que podia daquele demônio. O processo foi extremamente... doloroso. *Fez uma pausa, fitando Annabela.* Eu nunca falho, humana. E se você falhar em sua missão, eu encontrarei outro modo. Eu conseguirei aquela arma e todas as outras para as quais ela me guiará.

*Ele parou então, pensativo.* Como chamar a atenção de Keylosh ou tirar as informações dele... caberá a você descobrir. Eu enviarei um humano para lhe ajudar a locomover-se. Apronte-se, você partirá em 1 hora. *Se houvesse mais perguntas, ele responderia. Caso contrário, ele apenas deixaria a sala. As novas roupas dela estavam em um móvel num canto e havia uma tina para banho do outro lado, numa sala adjacente.*



Annabela:
Podia imaginar o que o demônio torturado tinha passado nas mãos dele. Mizabel não tinha sido exatamente ruim com ela, e ainda assim... Annabela tremia a cada vez que o escutava falar, por mais que sua voz agora soasse sensual, de uma forma perigosa. Não conseguia imaginar o que aquela arma tinha de tão diferente para fazer alguém sacrificar tanto para conquistá-la. Ou mandar outros para se sacrificarem em seu lugar, como estava sendo o caso. Teria muito trabalho, pelo visto.

Como não tinha mais nada para perguntar, ele saiu, e as outras duas trataram de ajudá-la. Antes de tomar um banho, e se arrumar, Anna comeu algumas frutas e bebeu bastante água, como se tivesse ficado dias sem. Na verdade, era impossível calcular o tempo que estava ali. Em seguida, as mulheres a levaram para a sala de banhos, onde demoraram longos minutos para deixar a tez clara bem limpinha e perfumada. Voltaram para o quarto, onde estavam as roupas. Annabela não queria nada chamativo, por isso optaram por um vestido amarelo bem claro, fechado por laços nas costas e sapatilhas. Entregaram-na um manto branco. Prenderam os fios escuros num rabo de cavalo alto, com algumas teimosas mechas caindo sobre o bonito rostinho. O corado natural tinha voltado ao rosto, assim como nos lábios.

Depois de pronta, não sabia o que fazer. As duas mulheres arrumaram a bagunça, e a deixaram sentada sobre as peles, esperando novas ordens. A humana, timidamente, tinha deixado um copo de água com ela, dizendo que era melhor se hidratar bastante. Saíram antes que alguém chegasse. Annabela deu mais uma golada, mais para conter a ansiedade do que qualquer outra coisa.



Narrador:
*Mizabel demoraria uma eternidade para voltar, ou assim parecia, já que não havia nenhuma indicação de tempo ali. Dia ou noite, calor ou frio, não havia nada disso naquela sala, ela era a mesma sempre, não importa quantas horas se passassem. Finalmente então a porta da sala abriu-se. A presença demoníaca de Mizabel era sentida fortemente e havia uma outra pessoa com ele, que ficou do lado de fora. O demônio então disse.* Ele a acompanhará na tarefa. Não preciso lembrá-los de que se a missão falhar ou vocês tentarem fugir, a outra humana e o homem da taverna morrerão. *A outra pessoa adentrou a sala então e a voz de Jaime foi ouvida.* Annabela!! *Ele correu até a moça, ajoelhando-se sobre as peles e abraçando-a.* Você está viva!

*Mizabel simplesmente ignorava aquele momento entre os dois. Levar o rapaz junto poderia ser perigoso, mas Mizabel pensava de outra forma. Agora ele tinha dois servos trabalhando para ele e os dois tinham motivos fortes. Jaime lutaria por sua mãe e Annabela por Bark. Era parte da arte de manipular os humanos. Então ele diria em tom ríspido, olhando para os dois.* Ambos possuem a minha marca demoníaca em seus corpos. Não deixem que ninguém veja isto, ou estará tudo acabado. Uma carruagem estará esperando por vocês no Plano Material, nas cercanias do território da ordem que protege Keylosh. *O demônio abriria um portal então e ficaria esperando ali.*



Annabela:
Ainda se sentia cansada, e acabou cochilando, ainda sentada, esperando o demônio voltar. Foi quando, depois de um longo tempo que Annabela obviamente não saberia dizer, a porta se abriu, a despertando, assustada. Coçou os olhos, para assim poder espantar o sono. Sabia que era Mizabel, e não precisava sentir a energia dele para saber disso. Afinal, quem mais invadiria o 'quarto' dele? Só mesmo um louco ou algum criado que tivesse recebido ordens. Ficou surpresa quando ele mencionou a presença de outra pessoa, e quando se manifestou, os olhos dela encheram-se de lágrimas.

- Jaime! Oh, céus, ainda bem que você está vivo!
Passou os braços ao redor dos ombros dele, o envolvendo, e escondendo o rosto molhado em seu peito. Chorava silenciosamente, de alívio. O demônio tinha cumprido sua promessa. Então... ela também faria sua parte. E estava feliz que alguém conhecido a acompanharia. Não se sentia inteiramente segura, mas muito melhor.

Ainda escutava as ordens de Mizabel, e era bom os dois se apressarem. Soltou Jaime, segurando suas mãos, enquanto se levantava com cuidado. Preso embaixo de sua braço, estava o manto que as outras moças tinham lhe dado.

- Venha, Jaime... Vamos logo, está bem? - ela chegou a dar um sorriso, bem mais animada.

Talvez a estranha e recente amizade dos dois, e a maneira carinhosa com que se tratavam, pudesse irritar o demônio. Ou apenas incomodar. Mas era só uma suposição, no final das contas.



Narrador:
Sim, vamos. *Disse Jaime, segurando as mãos dela e ajudando-a a se locomover. Ao que parece, Jaime também havia sido informado da missão. Ele também estava limpo, Annabela podia perceber isto facilmente pelo cheiro dele e de seus trajes. Sem demora, ele a guiaria através do portal e então os dois seriam teletransportados.

A viagem astral seria desorientante para ambos. Eles apareceriam no meio de uma estrada cercada por floresta, próximos de uma carroça. Era dia, o sol era intenso, mas mesmo esse calor não era nada comparado à temperatura que aquela masmorra infernal tinha. Era possível respirar de maneira decente agora, não havia mais energia demoníaca intensa ao redor. Jaime levou alguns segundos para recuperar-se da desorientação e quando finalmente conseguiu olhar ao redor direito, ele inspirou longamente.* Não via o sol ou o céu há meses...

*A carroça era puxada por dois cavalos e tinha todo tipo de objeto e artefatos imagináveis. Aquelas coisas provavelmente foram acumuladas por Mizabel ao longo dos anos, de suas vítimas e prisioneiros. Aquilo provavelmente não tinha valor algum para ele, embora houvesse ali objetos relativamente raros e poderosos. Seria fácil vendê-los para os magos da cidade se eles quisessem, como parte do disfarce.*



Annabela:
Já imaginava que ele estaria tão limpo e arrumado quanto ela. Afinal, uma jovem mercadora cega acompanhada de um rapaz nu não chamariam uma atenção muito boa. Não conseguia conter a imensa alegria que a tomava. Ter a certeza que eles estavam vivos era maravilhoso.

Quando os dois atravessaram o portal, Anna apertou a mão dele com força e colou-se ainda mais ao seu corpo, encostando a testa em seu ombro, fechando os olhos. Apesar de já ter passado por aquela experiência, ela não se tornara nem um pouco mais normal. Continuava sendo extremamente desagradável. Mas diferente da outra vez, não foram recebidos por um lugar sufocante e quente. Não... Pelo contrário. Dessa vez, a sensação ruim passou rapidamente. O sol aquecia seu rosto e o ar que invadia seu corpo era puro, e quase podia sentir o cheiro das flores, da grama...

Nenhum sinal de energia demoníaca.

Ao escutar Jaime falar, Annabela se emocionou, sentindo os olhos molhados pelas lágrimas que começavam a se acumular em suas pálpebras. Apertou a mão dele, de levinho. E abriu um lindo sorriso. Que os dois aproveitassem aquele curto tempo de liberdade... pois logo teriam que voltar ao inferno, e dar as condolências para o próprio Diabo.

- Fico muito feliz que tenha vindo comigo, Jaime. Não conseguiria sozinha, e tenho certeza que isso me causaria imensos problemas – soltou um suspiro desanimado – Vamos aproveitar esse tempinho por aqui. Vão ser lembranças doces e que poderão nos ajudar quando voltarmos para aquela prisão torturante.

Porque no final das contas... eles teriam que voltar. Como Mizabel mesmo disse, eles carregavam sua marca. E no caso de Annabela, o pacto ia bem mais além. Não só seu corpo e fidelidade pertenciam a ele, mas como também sua própria alma. Não podia se esquecer do acordo. E a respiração contínua de Jaime a lembraria disso.



Narrador:
*Jaime atenderia o pedido, principalmente porque ele também queria um pouco de paz. Ele queria respirar um pouco, colocar as ideias no lugar e recuperar as forças. Forças que ele ainda estava juntando e mantendo, não deixando que a morte de seu próprio pai o abalasse. A vontade de fazer sua mãe viver o carregava e agora havia Annabela, a doce garota que havia sido jogada no meio desses horrores. Ele apertou a mão dela e a abraçou com força.* Sem você, eu e minha mãe sequer estaríamos vivos, Annabela. Obrigado. *Acariciou o rosto dela lentamente.* Gostaria de ter lhe conhecido em outra ocasião. Não sei se algum dia sairemos desta mas, se sairmos, eu quero ficar com você. Você vai querer ficar comigo?


Annabela:
Embalada por aqueles braços, Annabela quase conseguia se sentir segura. Encostou a testa no peitoral dele, soltando um suspiro triste e desanimado. Não podia se arrepender por ter escolhido ajudá-los. Eram pessoas boas, e não mereciam uma morte tão prematura. Ainda mais Jaime, que era jovem, e tinha uma longa vida. Se o preço foi alma dela, que seja! Já não havia perspectiva de um futuro seguro e normal para ela mesmo. No entanto... Diante da fala de Jaime, Annabela arregalou os olhos, e se pudesse, o estaria encarando, assustada.
- Jaime... Está falando sério?
Uma dor passou ligeira por seu peito. Tinha aberto mão de tudo aquilo. De casar, ter filhos... construir uma família. Era boneca exclusiva de um demônio agora. Não podia ter desejos. E isso a magoou. Poderia se apaixonar por Jaime. Ele seria um companheiro perfeito. Fechou os olhos, levando as mãos até a dele, que acariciava seu rosto.
- Oh, Jaime... Se eu pudesse, ficaria com você. Mas não é possível... Ele tem minha alma. Não me deixaria ir embora... E não posso arriscar. Não quero que ninguém se machuque por minha causa.

Narrador:
Eu me machucaria por você, Annabela. Você nos deu esperança. Mesmo que eu e minha mãe morramos nas mãos daquele demônio, você nos deu uma alternativa. Morreremos tentando ser livres e isso é muito melhor do que morrer naquela masmorra. *Ele continuou abraçando-a por mais alguns momentos, até que sentiu uma dor aguda no braço. Annabela sentiria a mesma dor, vinda da marca do demônio em seu braço. A dor era intensa mas duraria apenas alguns segundos. Era uma espécie de aviso do demônio para que lembrassem do motivo de estarem ali. Jaime a soltou, esfregando o próprio braço e voltando ao normal.* Temos que ir, Annabela. Vai dar tudo certo, não se preocupe. *E já se posicionaria para ajudá-la a subir na carroça, na parte da frente logo atrás dos cavalos. Jaime sentaria-se ao lado dela e tomaria as rédeas em seguida.*

Annabela:
- Não diga uma besteira como essa, Jaime! - ela disse num tom ríspido. Pensando daquela forma, Jaime jogaria seus esforços no fogo - Precisa se manter bem para poder cuidar de sua mãe. Não esqueça que agora, mais do que nunca, ela precisa de você... - tinha amenizado a voz.
O abraço dele era reconfortante. Aquele era um rapaz que valia a pena se sacrificar. Tinha um bondoso coração, assim como suas intenções. Cat deveria ter muito orgulho, e não duvidava que Jon também sentisse o mesmo. Soltou um suspiro ao imaginar o sofrimento daquele pobre homem. Foi cortada de seus pensamentos pela queimação intensa no braço. Gemeu, afastando-se um pouco, passando a mão na marca, imitando o gesto dele, mesmo que não tenha visto. Diante da afirmação de Jaime, ela apenas concordou com a cabeça. Sim, tudo daria certo... Eles fariam dar.
Aceitou a ajuda dele, sentindo-se um pouco desconfortável por andar numa carroça. Não era uma sensação das mais agradáveis ser carregada por algo que não podia ver. Fechou os olhos, esvaziando a mente de aborrecimentos e coisas que pudessem chateá-la.
- O que diremos para as pessoas? Que somos irmãos, primos... um casal? - Jaime poderia notar um tom rosado cobrir as bochechas dela.

Narrador:
*Depois de se ajeitar ao lado dela, ele diria.* Um casal de mercadores. Sim, essa é uma boa ideia, Annabela. *O rapaz sorriu, dando a primeira esticada nas rédeas e fazendo a carroça andar. Pelo movimento suave da carroça, Annabela podia notar que Jaime tinha alguma experiência com aquilo. Ele já havia andado com carroças, o que mostrava que isso era parte da vida que ele e sua família levavam antes de serem capturados.

A carroça seguiu pela estrada estreita e já era possível ver grupos de no máximo 3 soldados espalhados por vários pontos conforme iam avançando. Todos eles trajavam armadura completa de tom azul e carregavam um brasão no peito, o mesmo brasão que Annabela viu em sua visão. Ela, obviamente, não tinha como confirmar isto, a menos que Jaime falasse. Alcançaram uma construção de madeira em forma de arco que bloqueava a estrada e só era possível continuar passando através dela. Havia soldados de armadura azul controlando o movimento. Outros mercadores, com todos os tipos e tamanhos de carroças carregando toda espécie de produtos, pagavam moedas de ouro para os soldados e estes permitiam a passagem. Era um pedágio.

Jaime enfiou o braço através do pano que cobria a carroça deles e vasculhou aquela parte. Havia uma pequena bolsa com várias moedas de ouro, colocada para cobrir possíveis gastos. O demônio havia pensado em tudo, baseado em sua própria rede de informações. Jaime colocou a carroça na fila e enquanto esperavam, ele disse.* Há soldados aqui de armadura azul e todos eles carregam um brasão que tem um elmo no topo e uma balança embaixo, cercada por dois cavalos. O demônio disse que você saberia se estivéssemos no caminho certo. É por aqui onde devemos ir, Annabela? *Fitou-a.*

Annabela:
Ficou mais tranquila ao notar que Jaime sabia conduzir a carroça com destreza. Realmente tinha sido maravilhoso que ele viesse nessa missão com ela. Não haveria alguém mais esperto e cuidadoso que o rapaz. Disso Annabela não tinha dúvidas. Com o passar do tempo, ela ia se acostumando com o balançar estranho da carroça, e quase chegava a gostar, já que o mesmo a distraía e permitia sua mente vaguear para algum lugar longe. De preferência, seguro e calmo.

Foi então que percebeu que diminuíam a velocidade, o que despertou sua curiosidade. Se ajeitou em seu lugar, cutucando o braço de Jaime.

- O que está acontecendo? É impressão minha ou estamos parando?

Ficou pensativa diante da resposta, sabendo que reconhecia aquela descrição de algum lugar. Fechou os olhos, buscando alguma coisa em sua mente. Só que a mesma já estava tão abarrotada. Seria necessário fazer uma faxina, isso sim. Entretanto, como um estalo, o brasão na armadura de Lei Keylosh veio a sua cabeça.

- Ah, sim, mas é óbvio! – disse mais para si mesma – Pode seguir, Jaime. Estamos no caminho certo sim. Essa é a cidade de que Mizabel falou. É aqui que vamos começar a agir, e se Deus ajudar, sairemos inteiros.

Sair para aonde? Para aquele maldito inferno? Talvez fosse melhor os dois serem mortos ali. A ideia assombrou a cabeça de Annabela, que a balançou, afastando-a. Seu destino estava traçado, e a marca em seu braço era prova disso.

Duvidava que Mizabel fosse permitir a sua morte. Ele não era misericordioso.



Narrador:
*Com a confirmação de Annabela, Jaime manteve-se na fila para atravessar o pedágio. Ele sabia ler e portanto viu o custo em um cartaz pregado na estrutura em forma de arco. Separou as moedas de ouro necessárias e as entregou ao soldado, que fez um sinal para outros 2 soldados à frente para que liberassem a passagem. Os soldados observavam atentamente as carroças que passavam ali e se houvesse alguma coisa errada com elas, seriam paradas. Mas não fariam uma vistoria mais profunda, isto provavelmente seria feito assim que tentassem entrar na Cidade Imperial.

Antes de partir, Jaime perguntou ao soldado.* Por favor, oficial, precisamos falar com Lei Keylosh. Você o conhece? Ele faz parte da sua ordem, não? *O soldado fitou Jaime e Annabela alternadamente através de seu elmo, não era possível ver os olhos dele. Ele respondeu então.* Qual seria o motivo do encontro, senhor? *Jaime não conseguiu inventar uma desculpa instantânea. Ele travou e segundos de silêncio perturbador se seguiram. Se nada fosse dito de imediato, o soldado começaria a estranhar a atitude.*



Annabela:
Sentia-se extremamente desconfortável, desejando que aquela etapa passasse o mais depressa possível. Temia que algum dos oficiais cismasse com os dois, e e criasse problemas. Respirou fundo, procurando se acalmar. Era só pagar o pedágio, e estariam livres. Não tinha motivos para ficar nervosa, e isso seria ainda mais prejudicial. Relaxaria. E Jaime fez tudo certinho, ela podia perceber. Só que na hora de ir embora...

Annabela arregalou os olhos por alguns instantes, sem saber o que fazer. Se não dessem uma resposta convincente, com certeza aquele oficial daria um jeito de mantê-los ali para arrancar informações que eles não podiam dar em hipótese alguma.

"Pense, Annabela, pense..."

Era óbvio...

- Gostaríamos de oferecer algumas, hm, mercadorias especiais para ele... Somente para ele.

Mantinha um tom tranquilo, como se estivesse naquele ramo há muito tempo. Resolveu ir mais longe, contando uma pequena mentira. Nada muito grave, e que poderia ajudar... quem sabe.

- Ouvi dizer que ele... estava procurando uma peça específica. Acho que posso ajudá-lo.
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Mensagem por Lei Keylosh Sex 17 Ago 2012, 11:12

Narrador:
*O soldado permaneceu alguns segundos em silêncio. Não era possível ver seu rosto através do elmo e portanto não era possível saber se ele havia engolido aquela mentira ou não. Novos segundos perturbadores se passaram e ele finalmente disse.* Ele é o comandante das tropas teranianas em terra. Sigam reto na estrada e chegarão na Cidade Imperial, perguntem por ele lá. *O soldado então faria um sinal para que seguissem viagem. Jaime partiu e quando já estavam longe do pedágio, ele respirou fundo, limpando o suor da testa.* Eu... me perdoe. Achei que seria mais fácil ter essa informação, mas esqueci de pensar em uma desculpa. Prometo não cometer mais esse erro.

*Conversas à parte, Jaime logo veria a cidade ao horizonte. Annabela percebia que o barulho ia aumentando conforme se aproximavam. Mais cavalos na estrada, pessoas conversando, mercadores berrando o preço de suas mercadorias à plenos pulmões, grupamentos marchando. Era incrível como cidades maiores podiam ser tão barulhentas. A Cidade Imperial tinha uma movimentada rota de comércio e Jaime e Annabela eram apenas mais um das dezenas de carroças que paravam ali. Muitos dos mercadores permaneciam fora da cidade, em frente aos portões, o que acabou formando uma pequena feira, com as carroças paradas em duas filas ao longo da estrada que levava ao portão principal.

Havia uma entrada paralela apenas para as carroças. Era preciso pagar mais uma quantidade de moedas de ouro para entrar, o que talvez explicasse o fato de muitos deles ficarem do lado de fora. Não demorou muito até que chegasse a vez da carroça deles. Um soldado perguntaria à Jaime se ele sabia ler e entregaria um papel e uma pena a ele. Era uma espécie de contrato, estabelecendo que eles poderiam ficar ali por no máximo 1 mês vendendo seus produtos. Depois disso, o contrato teria que ser renovado e nova quantia teria de ser paga para a administração da cidade. Jaime assinaria o documento. Mais do que cumprir a missão, também teriam que pensar em uma maneira de sair da cidade e era melhor seguir os procedimentos oficiais por enquanto.

Dois soldados aproximaram-se da parte de trás da carroça. Levantariam o pano e checariam rapidamente os artefatos. Embora estivessem ocultos, havia também magos fazendo verificações mágicas nos objetos em busca de algum feitiço ou efeito hostil. Não havia nenhum. Mizabel havia cuidadosamente separado artefatos que continham efeitos inofensivos ou menores e havia retirado qualquer vestígio demoníaco daqueles que continham.

Feito a verificação, os soldados liberaram a carroça, Jaime entregou uma via do documento e o oficial indicou a direção da feira principal da cidade. Enquanto moviam-se por uma das ruas da cidade, Annabela podia sentir o cheiro de verduras, assados, couro, madeira, aço. Era um caos de sentidos, considerando que havia pessoas de todas as partes do Império comprando e vendendo todo tipo de coisa. Estavam claramente no bairro comercial da cidade. Jaime comentaria.* Nunca havia visto uma cidade tão grande assim. Seria um bom lugar para morarmos, não acha? *Fez silêncio. Um "se formos livres algum dia" ficou em sua garganta, mas não era necessário dizer isso de novo.*



Annabela:
Os segundos que se passaram mais pareceram horas. Uma gota de suor tinha brotado na nuca de Annabela e escorreu por suas costas, causando um calafrio. Ela pedia mentalmente que o oficial tivesse caído. Se não conseguissem entrar na cidade, tudo estaria perdido. Quando ele começou a falar, dando a entender que tinha acreditado nos dois, a mocinha precisou fazer um grande esforço para não suspirar de alívio na frente dele. Ouvia com atenção, e quando terminou, ela sorriu, agradecida. Só quando a carroça começou a andar, que Annabela percebeu que estava toda trêmula. Porém, não querendo deixar Jaime nervoso, sorriu, balançando a cabeça em movimentos negativos.

- Não se preocupe, deu tudo certo. Duvido que as situações vão ser tão fáceis como essa. Devemos estar preparados.

Depois de passarem por mais uma vistoria, onde Annabela ficou ainda mais nervosa, pois ela poderia notar que haviam magos. Ela sentia a magia. No entanto, tudo correu muito bem, apesar de ter sido um processo demorado. Mas logo os dois se misturaram no centro da Cidade Imperial. Annabela facilmente reconheceu ser o centro apenas pelo barulho. Não conseguia entender nada, e aquilo a deixou acuada. Mais uma vez, agradeceu por Jaime estar com ela. Ele notaria que a menina se aproximou mais dele, colocando uma das mãos sobre sua coxa, um tanto receosa.

- Esse barulho... – era como se tentasse se explicar.

Fechou os olhos, fazendo um esforço para se concentrar em algo. Teria que se adaptar. Céus! Os problemas eram tantos que Annabela não tinha noção de por onde começar. Detalhes e mais detalhes... Acabaria enlouquecendo. Precisavam achar logo aquele homem. Lei Keylosh. Aquele nome atraía problemas, isso sim. Sua mente se voltou para Jaime e seus comentários. Ela soltou uma risadinha baixa.

- Acho que eu enlouqueceria diante de tantos sons e cheiros, mas... é tudo questão de costume. Acho que seria um bom lugar. Porém, ainda prefiro os lugares mais tranqüilos.

Ela soltou um suspiro. Na sua atual situação, qualquer lugar seria bom. Qualquer lugar longe daquele maldito demônio.



Narrador:
Eu cresci em uma cidade, não tão grande quanto essa, mas tinha sua agitação. Acho que é por isso que eu não estranho mais. *Comentou Jaime, parando a carroça em um ponto da praça principal da cidade. Ainda era dia e o movimento ali era grande. Ele desceu e depois ajudaria Annabela, segurando-a firmemente pela cintura e colocando-a no chão. Não soltaria dela mesmo depois de ela ter descido, permanecendo alguns momentos com os braços ao redor de sua cintura e murmuraria.* Bem, nós somos um casal... temos que agir como tal. *Acariciou lentamente o rosto dela e então a beijou. Prolongaria o beijo por mais alguns momentos. Assim que parou voltou a falar para ela.* Nunca vou esquecê-la, Annabela, não importa o que aconteça. *E depois do momento dos dois, deixaria que ela decidisse qual seria a melhor maneira de começar a procurar por Keylosh.*



Annabela:
- Você cresceu numa cidade? - ela parecia surpresa - Oh, Jaime, que maravilhoso! Imagino com deva ser diferente das vilas.

Ainda sorria quando a carroça parou. Bem, estava na hora de começar o serviço... Nada de ficar enrolando, por mais que a vontade fosse enorme. Ao sentir as mãos de Jaime em sua cintura, Anna apoiou-se nos ombros dele, para manter o equilíbrio e não cair feito uma tola. Mas duvidava que ele fosse deixar algo do tipo acontecer. Levantou a cabeça, no momento em que ele começou a falar, e só foi entender sua intenção quando os lábios se colaram aos seus. Annabela arregalou os olhos, sem saber exatamente o que fazer. Mas, acabou relaxando, fechando os olhos, correspondendo ao beijo. Logo, o beijo foi interrompido, e ela suspirou, ainda abobalhada.

- Jaime, eu... - não sabia o que dizer, se sentia perdida - Isso foi muito especial. Nunca vou esquecê-lo também, e quem sabe... tenhamos alguma sorte.

Estendeu a mão, encontrando o braço, onde deslizou, até segurar em sua mão.

- Vamos procurar esse homem. Hm, que tal irmos em algum lugar comer algo? Assim poderemos sondar as pessoas, de forma discreta. E se não conseguirmos, procuraremos algum oficial, como aquele primeiro instruiu. Mas seria bom evitarmos para não levantar suspeitas.



Narrador:
Também acho. Aquele soldado disse que Keylosh é o comandante. Eu não acho que ele visite a feira da cidade mas, mesmo se visitar, teremos que chamar atenção dele de alguma maneira. *Jaime então amarraria os cavalos em um tronco. Todas as carroças de mercadores eram vigiadas pelos soldados. Apesar do caos aparente, a operação comercial da cidade era extremamente organizada. Segurando a mão dela, Jaime começou a andar, saindo daquela multidão e indo para uma rua paralela, de onde era possível ver uma taverna com o estranho nome de "Fortaleza Flutuante". O cenário agora mudara. A bagunça de cheiros e sons dava lugar ao tilintar de copos e canecas, o cheiro forte de vinho e hidromel e o murmúrio dos quatro cantos do recinto. Ali, mercadores e clientes, cidadãos teranianos, se misturavam. Jaime guiou Annabela até uma mesa nos fundos e sentariam-se ali.* Estou vendo muitos mercadores, camponeses, pessoas de diferentes profissões... e dois soldados, encostados no balcão. Mas ninguém que pareça mais importante. Como ele é mesmo?

Annabela:
- Também duvido muito, por isso precisamos colher informações. Se aquele demônio não tiver pressa, temos tempo de sobra.
Quando Jaime soltou sua mão para amarrar os cavalos, ela se sentiu estranha, um pouco vazia. Tinha se afeiçoado a ele, disso não havia dúvidas. Soltou um longo suspiro, desejando que os dois pudessem ficar juntos. Não estava apaixonada, mas... Ele era um bom rapaz. E gostava dele. E o beijo... Tinha provocado reações novas em Annabela. Ela corou ao se lembrar, levando a ponta dos dedos aos lábios. Foi tirada de seus pensamentos quando ele tornou a segurar sua mão.
Durante o caminho, agarrou o braço dele com ambas as mãos, totalmente grudada em Jaime, com medo de acabar se perdendo na multidão, que com o passar do tempo, ficava para trás. Os barulhos diminuíam, o que arrancava suspiros aliviados de Anna. Até que notou, estarem num lugar diferente, e pelos aromas, era uma espécie de taverna. Havia sons, mas muito pouco, e nada que Annabela não tivesse passado na hospedaria de Bark. Seu coração doeu ao se lembrar do taverneiro. Imaginava como devia estar sofrendo. Se falasse com Mizabel... Apenas um bilhete, era tudo que precisava.
Agradeceu a ajuda dele, sorrindo de leve. Concentrava sua atenção nas vozes, tentando pescar alguma coisa importante. Mas nada era dito. Só preços de mercadorias e coisas sobre entregas.
- Ele não deve estar aqui... Mas esses soldados... Como são suas armaduras? - se recordou do rosto de Lei - É um homem forte e alto, mas não é tão jovem... Hm, cabelos longos e loiros... Tem uma boa aparência. Existe alguém aqui que bata com essa descrição?

Narrador:
Keylosh realmente não está aqui. As armaduras dos soldados são azuis, como todo o resto da cidade. Eles são soldados daqui com certeza. *Jaime segurava a mão de Annabela sobre a mesa o tempo todo.* Acha que se pedirmos um encontro com o comandante, eles irão permitir? O problema é que se falarmos que trazemos um pedido especial, eles irão conferir com Keylosh e nossa mentira ficará evidente. *Jaime ficou em silêncio, pensativo. Estava trabalhando com as alternativas, esclarecendo as opções.* E depois de encontrá-los, precisamos pensar em uma maneira de tirar a arma dele... mas primeiro vamos encontrá-lo. O que acha que atrairia a atenção dele?

Annabela:
Diante da afirmativa, Annabela soltou um longo suspiro. Teriam trabalho para encontrar o homem, disso não tinha dúvidas. E ainda mais para falar com ele. Precisavam realmente de uma boa desculpa. Mizabel tinha passado uma tarefa quase impossível de ser realizada. Apertou as mãos dele, um pouco desanimada enquanto o ouvia. Ele tinha razão em tudo. Como fariam para chegar naquele homem?
Annabela ficou pensando, pensando e pensando, mas nenhuma boa ideia vinha a sua cabeça. Até que... Arregalou os olhos, piscando em seguida. Talvez desse certo. Seria arriscado, porém... uma pequena alternativa.
- Demônios, Jaime, demônios... - ela sorriu, colocando uma mão ao lado dos lábios, cochichando para ele - Podemos falar que conseguimos uma das peças de um demônio, e que a purificamos, algo assim. Com certeza vai chamar a atenção dele. Entretanto, corremos um risco dele, hm, querer mais detalhes. Teríamos que ser bem criativos...
Ela deu de ombros.
- Não tenho muitas ideias.

Narrador:
Isso pode funcionar. Melhor do que esperamos, na verdade. E então podemos pedir ajuda a ele. Ele pode nos livrar disso tudo, não pode? *Indagou Jaime, esperançoso, sem se dar conta ou apenas não se lembrando que Mizabel sabia de tudo que estavam fazendo. Ele levantou-se então.* Vou falar com os soldados. *Ele foi até os dois soldados no balcão então. A menos que Annabela tivesse uma audição muito aguçada, não era possível ouvir muito bem o que diziam, até pelas outras dezenas de vozes no local. Ele voltaria momentos depois, sentando-se novamente.* Consegui, Annabela! Eles nos levarão até o comandante. Mas eles não acreditaram muito no que eu dizia, então... tive que mostrar a marca no meu braço. *Levantou-se então, segurando a mão dela.* Eles nos levarão até Keylosh!

Annabela:
Annabela tinha certeza de que aquilo não daria certo. E se Mizabel desconfiasse... ficaria extremamente furioso. Não queria nem pensar no que ele poderia fazer. E não existia nenhuma garantia de que Keylosh fosse ajudar os dois. Poderia até pensar que era uma armadilha, o que na verdade, era mesmo. Quando ela ia falar alguma coisa, escutou Jaime arrastar a cadeira, ou seja, ele tinha se levantado. Annabela engoliu em seco, sentindo-se nervosa. Que Deus protegesse os dois, por mais que ambos carregassem a marca da maldade personificada.
Os minutos seguintes foram apreensivos. Temia que a qualquer instante, Jaime voltasse, desesperado, a puxando para fugirem. Mas ao contrário de seus pensamentos, ele retornou relaxado. Arregalou os olhos diante de sua fala, não acreditando. Tinha sido tão fácil assim? No entanto, ao se referir a 'marca', Anna quase gritou.
- Ah, Jaime! Não deveria ter feito isso... E se Mizabel descobrir? Vai ficar furioso! Não quero nem pensar no que ele possa fazer...
Ele notaria que a pequena mão tremia muito, mas ela não o deixaria sozinho. Ficou de pé, ao lado dele, apertando a mão enlaçada na sua.
- Que Deus nos proteja.

Narrador:
Vai dar tudo certo. *Reafirmou Jaime, beijando a testa de Annabela e andando com ela, seguindo os dois soldados. Deixaram a taverna e passaram pela praça movimentada dos mercadores, para então sair do bairro comercial e adentrar a parte militar da cidade. No caminho, foram abordados por um terceiro soldado. Embora ele não emitisse energia demoníaca, Annabela podia ver um símbolo no corpo do soldado como um sinal visual, da mesma forma que ela enxergou os outros símbolos na masmorra. Era claramente a marca de Mizabel no corpo daquele soldado. Os 3 soldados então conversariam brevemente, fora do alcance de Jaime e Annabela, que esperavam há alguns metros de distância.

Independente do que Annabela diria ou faria nesse meio tempo, os dois soldados que acompanhavam o casal originalmente tomaram uma outra direção, enquanto aquele terceiro soldado marcado aproximou-se dos dois e disse.* Eu assumirei daqui para a frente. Sigam-me, por favor, eu os levarei até Keylosh.

Annabela:
Apesar das palavras dele, Annabela não tinha certeza nenhuma se tudo daria mesmo certo. De alguma forma, Mizabel sabia de cada movimento dos dois, e se desconfiasse que ambos buscariam ajuda de Lei Keylosh, ficaria extremamente zangado. Temia pela vida dos dois, principalmente pela de Jaime, que agia com muita certeza, ao contrário dela. Soltou um suspiro, fechando os olhos ao sentir os lábios colados em sua testa. Mesmo diante do gesto carinhoso, ela não se acalmou. Pelo contrário, a cada passo que davam, ficava cada vez mais inquieta e assustada.
Assim que chegaram na área militar, Jaime sussurrou alguma coisa, a avisando. Pararam de andar, esperando instruções dos soldados. As pernas de Annabela tremiam bastante, e se não estivesse apoiada no rapaz, já teria caído. Percebeu a marca, e isso fez seu coração gelar no mesmo instante. Deslizou a mão até a de Jaime, começando a apertá-la, e logo sacudi-la. Mas era tarde demais... O soldado marcado já estava de novo com eles. Não tinha como Annabela avisá-lo.

Narrador:
*Jaime sentiu a mão sendo apertada e balançada, mas esperou até que eles e o soldado marcado estivessem se movimentando. Abriu uma boa distância do soldado, de forma que pudessem falar sem que ele ouvisse, desde que falassem baixo. Ele disse então.* O que foi, Annabela? Algum problema? Você está tensa.

Annabela:
Annabela se sentia sem fôlego, como se o choro dentro dela a estivesse inundando. Movimentou a cabeça em gestos positivos, mas ainda não conseguia falar. Respirou fundo, procurando se acalmar.*
- Jaime... - sussurrava, trêmula - Esse homem é soldado de Mizabel... Carrega uma marca igual a nossa. O que vamos fazer? Não podemos segui-lo. Com certeza não vai nos levar a Keylosh.

Narrador:
Maldição... *Murmurou Jaime. Ele parou de andar então, segurando firmemente a mão de Annabela.* Eu não vou ficar à mercê desse demônio novamente... chega! *Num impulso repentino, Jaime saiu correndo na direção contrária à do soldado, levando Annabela consigo.* Vamos!! *Ele sairia correndo de volta para o bairro comercial, enquanto o soldado olhou para trás e gritou.* Parem!! Parem imediatamente! *O soldado então gritaria para outros ao redor, que imediatamente sairiam correndo, perseguindo o casal. Jaime voltaria para a praça principal, entrando no meio da multidão de mercadores e cidadãos teranianos. Havia tanta gente que era difícil se locomover entre elas. Era preciso espremer-se e desferir cotoveladas para passar. Jaime se esforçava para continuar segurando a mão de Annabela enquanto atravessava a multidão, mas a dado momento suas mãos se separaram e eles foram afastados pelo fluxo de pessoas.* Annabela!! *Jaime gritava, afastando-se cada vez mais dela até que ele não conseguisse mais ver sua cabeça por entre tantas. E a voz de Jaime misturava-se às outras e ficava cada vez mais longe para Annabela. Enquanto isso, os soldados entravam no bolo de pessoas, procurando os "fugitivos".*

Annabela:
Como já sabia, não podia perder à cabeça, pois de nada adiantaria. Precisava pensar em alguma forma de fugirem, sem chamar a atenção dos soldados. Foi quando Jaime começou a falar, dando para notar a raiva em seu tom. Annabela arregalou os olhos, ainda mais quando ele saiu correndo, a puxando. Teve que fazer grande esforço para poder acompanhá-lo, ou teria caído, ou no mínimo, seria arrastada.*
- Jaime...!
Mas ele não poderia ouvi-la. Nem a própria podia se ouvir. Sentia seu corpo se chocar contra outros. Maiores, menos, rígidos... E todos, mesmo não sendo, pareciam mais fortes que ela. Podia, aos poucos, sentir sua mão se soltando da de Jaime, até o momento... que se sentiu sozinha e perdida. E estava, realmente. Levou as mãos até os ouvidos, e lágrimas fartas molhavam suas bochechas pálidas. Fechou os olhos com força, sentindo um intenso latejar, como se alguém estivesse batendo com martelo, um prego em sua cabeça.
- Alguém, por favor, me ajude...
Mas todos pareciam ignorá-la.

Narrador:
*E de fato ignoravam. Alguns apenas empurravam Annabela para o lado, outros chegavam a gritar "Saia da frente, garota!" ou algo semelhante. Em meio a todo o caos, ela apenas via as marcas demoníacas se movimentando no vazio. Uma era de Jaime e a outra do soldado marcado, mas qual pertencia a quem? Não havia distinção agora. Eram apenas dois símbolos dançando aos sentidos dela e não demorou muito até os símbolos se encontrarem. Quando isso aconteceu, sons de briga vieram de um ponto na multidão e o espaço de repente ficou mais apertado ainda. As pessoas abriram espaço, formando uma roda ao redor de outras duas, e a voz de Jaime podia ser ouvida. Ele provavelmente estava lutando com o soldado no meio da roda feita pela multidão.*

Annabela:
Sentiu o empurrão, que só não a derrubou porque não havia espaço no chão para ela cair, de tantas pessoas que por ali circulavam. Pedia desculpas quando sentia trombar em alguém, mesmo quando a culpa era da pessoa.
- Eu não enxergo... Por favor, alguém...
Foi quando viu as marcas dançarem não muito longe. Esbarrando nas pessoas, e e pedindo licença, tentou alcançá-los. Mesmo que o soldado a visse, não se importava. Não deixaria Jaime sozinho. Em poucos minutos, já estava perto o suficiente para que os dois a vissem.
- Jaime?! Jaime! - estendeu as mãos, nervosa - Venha comigo, precisamos sair daqui! Jaime! - gritava, sentindo a garganta arder, como se fosse rasgá-la.

Narrador:
*Muitas pessoas ao redor simplesmente se afastaram ou saíram dali, mas muitas ficaram apenas para ver a briga. Deixariam Annabela passar quando ela já estava próxima, afinal, se aquela garotinha queria se intrometer, o problema seria dela. Ela ouviria Jaime gritando seu nome e em seguida levaria um golpe no peito, provavelmente de um cabo de espada, que visava derrubá-la. Os outros soldados chegariam imediatamente, permanecendo ao redor dos envolvidos.* Não! Annabela!! *A voz de Jaime gritaria novamente e, pelo som, ele também levou um golpe de maneira semelhante. O soldado marcado então começou a falar para os dois.* Nosso mestre achou que conseguiriam cumprir sua missão, mas obviamente ele depositou muita confiança em quem não a merece. Incompetentes! Terei eu mesmo de cumpri-la?? *E daria novo golpe em Jaime, que gritava de dor.

Os outros soldados teranianos ao redor começaram a se perguntar o que significava aquilo. Por que aquele soldado havia perseguido o casal de mercadores? O que o homem falava não fazia sentido para nenhum dos oficiais.

O soldado marcado então fez menção de desferir outro golpe contra Annabela, quando ela pôde sentir uma presença forte. Vinha de trás da multidão. Havia um pouco de energia demoníaca em seu corpo, mas muito fraca, quase como se fosse uma cicatriz energética. O que estava na mão do homem, entretanto, era o que emanava a maior energia. Tinha a forma de uma manopla e além de energia demoníaca, emitia outras energias de fontes diferentes, como magia antiga. O homem aproximou-se e todos os soldados fizeram um movimento, provavelmente uma continência, menos o marcado pelo demônio. O homem recém-chegado falou então.* O que significa isso??

Annabela:
- Vamos sair daqui! Onde você está? - ela tornou a gritar, totalmente perdida - Jaime!
Foi quando uma dor sufocante a atingiu no peito, a derrubando com força no chão. Annabela caiu de costas, batendo a cabeça, mas por sorte, a pancada não foi o suficiente para desacordá-la. Levou a mão ao lugar atingido, se contorcendo de dor. Podia escutar o soldado demoníaco falar, porém não distinguia suas palavras, que sabia ser uma bronca. Aquele era o fim. Mizabel os mataria... Já estava a ponto de chorar quando, de repente, uma presença intensa se aproximou. E não sabia dizer como, mas...
Era Lei Keylosh. Tinha certeza absoluta.
Fez um grande esforço para se sentar, levando uma para trás da cabeça, mais exatamente no lugar atingido. Não sangrava, mas um galo começava a se formar. Com a outra mão, enxugou o rosto, que ainda carregava vestígios do choro compulsivo.
Um estranho silêncio se formou depois da pergunta dele. A voz potente fez Annabela estremecer, e como forma de proteção, se encolher, abaixando a cabeça.

Narrador:
A arma! *Disse o soldado marcado, fitando fixamente a manopla do homem recém-chegado. A essa altura, o soldado já havia perdido qualquer noção de sanidade. Era quase como se estivesse possuído por Mizabel, mas possessão era algo que o demônio não conseguia fazer ali devido às defesas mágicas de Terânia. Ele podia, entretanto, espionar seus escravos, e foi por isso que o soldado demente concluiu.* Ela consegue sentir a arma! Ela consegue sentir todas! *E daria uma gargalhada.* O mestre ficará satisfeito! Não preciso mais de você, Lei Keylosh! Morra!! *Então aquele realmente era Lei Keylosh. O soldado partiu em direção ao comandante tentando perfurá-lo, apenas para ser brutalmente interrompido em sua trajetória por um punho mágico conjurado rapidamente por Lei. O soldado demente foi nocauteado e os outros soldados trataram de segurá-lo.*

O que há de errado com este soldado?? Levem-no daqui!! *Bradou Lei. Nesse meio tempo, Jaime arrastou-se na direção de Annabela e a abraçou, ambos ainda sentados no chão. Os soldados trataram de dispersar a multidão e aquela praça ficaria mais vazia por alguns momentos. Lei se aproximaria, agachando-se à frente do casal.* Vocês estão bem? O que diabos aconteceu? *Se apenas ele soubesse que brincadeira de mal gosto usar a palavra "diabo" nesse momento.*

Annabela:
Podia se situar só pelos barulhos naquele momento. Uma imensa confusão tinha se instalado, e não havia dúvidas que Mizabel já devia saber de tudo que tinha acontecido. Se Jaime e ela voltassem para aquele inferno, talvez não saíssem vivos. Mas... abandonar Cat e Bark? Isso também não era uma opção. Não podia simplesmente dar as costas para entes queridos, era tão cruel e egoísta... Só de pensar nisso seu coração ficava apertado. A conversa tomava um rumo cada vez pior, e o demônio parecia não se importar em revelar sua verdadeira identidade, que deixaria muitos confusos, obviamente. Ninguém imaginaria que um deles conseguira passar pela impecável segurança. Quanto mais se infiltrar no meio de oficiais.
Deu um pulinho quando Jaime se aproximou, a abraçando, demorando um tempo para reconhecê-lo. Passou os braços em volta de sua cintura, enterrando o rosto em seu peito. Não veria Lei Keylosh abaixado, por motivos óbvios, e o homem também notaria, claramente, o olhar sem foco da jovenzinha. Mas ela sabia que o mesmo falava com eles por causa da proximidade. Annabela não sabia o que dizer. Tinha duas opções: inventar uma mentira e continuar com a tarefa ou revelar tudo a Lei.
- Estamos muito encrencados, senhor... - limitou-se em dizer.

Narrador:
Sim, muito encrencados! *Reafirmou Jaime, ainda abraçado com Annabela. Lei então tratou de confortá-los, principalmente depois de constatar que a garota era cega.* Não precisam mais se preocupar. Venham comigo para podermos esclarecer tudo isso. *Dito isso, ele tocou o braço de Annabela com a manopla metálica que usava na mão esquerda.

Quando a peça entrou em contato com Annabela, ela também entrou em contato com a arma. Visões em sua mente mostravam como ela foi fabricada, usando uma magia maligna e muito antiga, e como suas "irmãs" - outras 8 armas - também foram fabricadas, cada uma com uma característica especial. Annabela podia sentir também como aquela arma especificamente estava inerte. Era como se a "personalidade" daquela arma tivesse sido anulada. Domada, por assim dizer.

Lei daria algum tempo para que o casal se levantasse e se recuperasse e em seguida faria um sinal para que eles o seguissem. Em caso afirmativo, o barbudo iria na direção da parte militar da cidade e adentraria o quartel da mesma, onde iria se dirigir até uma sala grande no fundo da construção.

Jaime ainda estava em dúvida se devia ou não seguir Keylosh e só iria se Annabela fizesse o mesmo. Querendo ou não, o soldado insano, que revelou-se mais um servo de Mizabel, cumpriu a primeira tarefa, que era atrair Keylosh.*

Annabela:
Diferente de Mizabel, mesmo tendo uma presença marcante e intimidadora, Lei Keylosh parecia ser um bom homem, diante de suas atitudes. Annabela não se acalmou, mas se sentia um pouquinho melhor. Entretanto... ainda não tinha nada resolvido. E mesmo com ele dizendo 'não precisam mais se preocupar', ela não podia fazer aquilo. Tinha que se preocupar, e muito, e ainda por cima, por outras pessoas. Que Jaime encontrasse um caminho livre, pois além de marcada, também tinha um pacto... com o próprio demônio.
Quando a manopla tocou seu braço, Annabela arregalou os olhos, e quem a olhasse, poderia ver que algo incomodava a garota. Ou no mínimo, que tinha alguma coisa acontecendo. Tudo foi se passando como baques rápidos e intensos, fazendo seus olhos arderem e o coração disparar. Não sabia se memorizava tudo aquilo ou torcia para acabar. Aquelas visões eram desgastantes demais. Ainda não estava acostumada... e duvidava que um dia isso fosse acontecer.
Foi então, que sentiu Jaime a ajudando a ficar de pé, no instante em que as visões chegaram ao fim. Piscou os olhos repetidas vezes, como se quisesse recobrar os sentidos. Jaime fez menção de começar a andar, mas Annabela percebeu que ele esperava uma ação dela. A mocinha soltou um suspiro, segurando a mão de Jaime, ela tomou coragem para mover os pés, e começar a caminhar em direção ao homem. Ainda tinha uma missão... Só faltava ela saber se ainda a cumpriria ou não.

Narrador:
*Lei então adentrou o quartel, que era um prédio grande e alto residindo no centro da área militar da cidade. Subiu um lance de escada e atravessou um corredor, indo parar em uma sala ao fundo. Antes de adentrar a sala, um soldado pareceu transmitir informações rápidas a Lei, que fez um afirmativo e só depois continuou em seu caminho. Jaime guiou Annabela com calma durante todo o trajeto e Lei esperaria por eles, entendendo a situação da moça. Uma vez na sala, o comandante fecharia a porta e diria.* Aqui teremos privacidade. Eu irei liberá-los logo, eu só tenho algumas perguntas a fazer para entender o que está acontecendo. Um soldado meu nunca atacaria uma mulher cega e desarmada em plena praça comercial à luz do dia, muito menos bradar insanidades como aquelas. Ele está sendo investigado enquanto falamos. Fui informado também que vocês são um casal de mercadores, correto? Então, o que aconteceu? *Disse, com calma, enquanto indicava duas cadeiras para Jaime e ele ajudaria Annabela a sentar-se. O comandante se sentaria na cadeira à frente deles em seguida.*

Annabela:
Caminhavam lentamente, por motivos óbvios. Annabela tentou, durante todo o caminho, bolar alguma coisa que pudesse livrá-los daquela situação, pesando os prós e os contras. Não parecia ter tido bons resultados. Entretanto... de qualquer forma, arranjariam inimigos, só não sabia quem seria o pior: Mizabel ou Lei Keylosh.
Podia escutar os sons diminuindo, de maneira que sua cabeça ficasse cada vez menos confusa. Era como se até pudesse respirar melhor. Ainda podia escutar vozes, mas eram poucas e não tumultuadoras. Apertou mais a mão de Jaime, passando força e buscando segurança. Os dois dependiam de si próprios, essa era a verdade. Sentiu a porta fechar atrás de si, o que causou um arrepio frio pela sua coluna. Era justamente aquilo que a assustava... Temia não poder responder a essas perguntas. Escutou tudo o que ele tinha pra dizer, e parecia hesitante antes de começar a falar, como se pensasse no que fosse dizer. E era isso que fazia.
- Ele nos atacou porque não é um dos seus soldados, e sim... porque é um demônio - ignorou propositalmente as perguntas dela, sabendo que essa revelação chamaria ainda mais a atenção.

Narrador:
Um demônio?? *Disse Lei, assustado. Jaime estava estranhamente quieto. Talvez não soubesse o que dizer ou talvez estivesse planejando outra coisa em sua mente. Lei levantou-se, sua voz mostrava sua preocupação.* Eu quero que me digam tudo o que sabem sobre isso, agora!

Annabela:
Já devia imaginar aquela reação violenta. Pelo que Mizabel tinha dito, Lei não gostava mesmo de demônios. Annabela ainda estava em dúvida sobre o que fazer, e tinha certa impressão que se contassem tudo, não seriam liberados logo, logo, como ele tinha dito. Respirando fundo, procurou manter a calma e o tom de voz audível e suave. Não precisava irritá-lo ainda mais.
- Senhor, gritar com a gente não vai nos fazer falar. Já estamos nervosos o suficiente, então...

Narrador:
*Lei fez um silêncio consentido e procurou acalmar-se. Voltou a se sentar e respirou fundo.* Muito bem, estou disposto a ouvir. Acredito que, se fossem hostis, vocês já teriam feito o que quisessem. Expliquem-me exatamente como estão envolvidos nisto. *E voltou a ficar em silêncio, procurando ouvi-los desta vez sem interrompê-los.*

Annabela:
Aquilo não era uma história de hostilidade. Se fosse dessa forma, seria bem mais fácil. Annabela permaneceu com a cabeça abaixada, pensando direitinho nas palavras. Já tinha feito sua escolha, no final das contas.
- Somos escravos marcados por um demônio, ele disse que podemos chamá-los de Mizabel...
E assim, ela contou toda a história para Lei Keylosh, não poupando detalhes. Falou sobre Jon, das torturas - onde ficou mais nervosa -, de seu dom, da missão, tudinho mesmo.
- Aqui estamos, movidos apenas pela vontade de proteger nossos entes queridos. Eu fiz um pacto, e não me preocupei em saber as dimensões dele. Bastava que Bark, Jaime, Cat, e a todos os que me são próximos ficassem em segurança. Talvez não compreenda, mas... não queríamos causar mal algum a ninguém. Porém, nossas mãos estavam, e ainda estão atadas, senhor.

Narrador:
*Jaime deixaria que Annabela contasse sua parte da história, enquanto ele encarregou-se de contar o que aconteceu antes da moça chegar ao reduto de Mizabel. Contou como ele e sua mãe Cat foram surpreendidos por lacaios de Mizabel e pelo que passaram até que o demônio os usasse como chantagem para conseguir os serviços de Jon. Revelou mais alguns detalhes sobre a vida que Jon levava, mergulhado em livros sobre demônios e por vezes deixando de dar atenção à sua esposa e único filho. Além disso, reforçava as passagens que Annabela descrevia e chegou a mostrar a marca do demônio em seu braço. Lei levantou-se durante o relato e andava de um lado a outro da sala, pensativo. Chegou a tocar por vezes a manopla metálica, justamente o objeto que Mizabel tanto desejava. E ao final do relato, parou em frente à uma das janelas da sala e depois começou a falar.*

Pactos... é por meio deles que demônios agem. É uma coisa muito perigosa fazer um pacto com um demônio. Eles deturpam e interpretam as regras do pacto à sua maneira. Mas entendo que vocês não tiveram escolha e eu faria o mesmo em seu lugar. São criaturas muito perigosas. Sei disso porque lutei contra eles por toda minha vida e também porque... *Fez uma breve pausa.* ...já lutei ao lado deles. Mas isso foi há muito tempo. Agora eu me dedico a destruí-los novamente e o caso de vocês não é nenhuma novidade. Eu já vi dezenas de pessoas que fizeram pactos de diferentes naturezas com demônios, mas o que me surpreende foi que um deles descobriu sobre a arma e conseguiu colocar um de seus servos dentro da Cidade Imperial.

*Deu alguns passos, afastando-se da janela.* A falha foi minha, eu sou o comandante e responsável pela segurança da cidade. Quando o Imperador me alertou que os seres do submundo, principalmente demônios, estavam atrás desta arma, eu não dei a devida atenção. E paguei o preço por isto. Vocês são parte deste preço. Todos os inocentes que demônios como Mizabel colocam no meio desta guerra.

*Voltou a se aproximar deles, apoiando uma das mãos na cadeira onde ele estava antes.* Nem tudo está perdido, Annabela e Jaime. [Supondo que eles se apresentaram durante a explicação.] Eu posso ajudá-los. E, neste momento, Mizabel provavelmente sabe disso. Isso é bom, eu quero que ele saiba. Mas farei uma coisa antes. *Lei então concentrou-se por alguns momentos e Annabela podia sentir que uma magia muito poderosa estava sendo conjurada. Após alguns momentos Lei disse.* Mizabel perdeu o contato com vocês agora e não o terá enquanto estiverem aqui comigo. Eu posso derrotá-lo, mas precisarei da ajuda de vocês.

*Fez nova pausa, voltando a sentar-se.* Ouçam com atenção... quando um demônio é destruído, todos os pactos que ele mantém são anulados. Isso significa que se Mizabel for destruído, vocês serão livres e seus entes queridos estarão fora de perigo. Não vale a pena lutar contra um demônio por isto? Acham mesmo que ele os deixará em paz assim que levarem a arma para ele?

Annabela:
Já não tinha mais volta. Tinha contado tudo que sabia para aquele homem, e por mais que isso pudesse custar suas vidas, Annabela não conseguia se arrepender. Afinal, ficar ao lado ruim da força não fazia sentido algum. Quer dizer... podia até fazer quando pessoas inocentes estavam inclusas. Enquanto Jaime contava sua parte, ela torcia mentalmente para que tudo aquilo tivesse um final feliz, para todos. Podia escutar os passos firmes pela sala, e ela sabia que Lei gravava cada palavra proferida pelos dois. Quando Jaime terminou, e em seguida o outro começou a falar, ela levantou a cabeça, mas em respeito do que qualquer outra coisa. Que aquele homem não a visse como uma criatura fraca, pois não era. Mesmo em tão pouco tempo, tinha passado por mais experiências que uma pessoa de mais de oitenta anos. E tivera que se adaptar, ou não teria chegado ali. Mal podia calcular se foram dias ou semanas.
Quando sua atenção foi para os dois, falando seus nomes, Annabela ficou tensa. Agora seria a hora da verdade, entretanto não sentia medo. Lei não parecia furioso com eles, nem nada do tipo. E fazia sentido, óbvio. Os dois não passavam de meras marionetes nas mãos hábeis de Mizabel. E ao mencionar que o demônio já tinha noção do que se passava, ela soltou um gemido alto, como se tivesse sido golpeada com força.
"Deus, por favor, proteja Bark e Cat, por favor! Que ele não faça nada!", rezava.
Sentia a magia a pinicando, mas nada que provocasse dor. Podia perceber que o Comandante era um homem poderoso, e se tinha alguém que podia ajudá-los... era ele. Não havia escolhas. Os dois precisavam confiar suas vidas, e a de seus entes queridos, em Keylosh.
As palavras seguintes provocaram o efeito esperado. Por alguns segundos, Annabela permaneceu com a cabeça baixa, mas logo ergueu o queixo, não em sinal de arrogância, nem nada parecido. Era apenas uma confirmação. Antes mesmo dela falar qualquer coisa, ele poderia ver em seus doces olhos que ela ficaria ao lado dele. Depositava sua confiança num desconhecido.
- Não me importa que tenha lutado ao lado deles... - ela estremeceu - Se diz que pode nos ajudar, e ainda afirma ser o único capaz, então não há motivos para recusar, sendo que não temos escolhas, senhor. No momento em que Mizabel colocou sua marca em nossa pele, as possibilidades de escolhas nos foram cruelmente roubadas - mordeu o lábio inferior - Ele nunca nos deixará em paz. Não tenho dúvidas disso... Ainda mais que ele possui nossas vidas em suas mãos.
Ela se referia a Bark e Cat. Se algo acontecesse ao taverneiro, ela ficaria sem chão, e duvidava que no caso de Cat e Jamie seria a mesma coisa. O rapaz não aguentaria outra perda... E Annabela não suportaria em ser culpada pela única pessoa que lhe a acolhera e lhe dera amor.
- Vai nos ajudar mesmo, senhor? - seu tom era assustado, e por mais que ele já tivesse deixado claro, precisava de uma confirmação.

Narrador:
Ele não poderá ter a vida de vocês na mão dele se ele estiver destruído. *Reafirmou Keylosh, respondendo ao que ela disse. E então respondeu a última pergunta dela.* Claro, Annabela. Esse é meu dever, é por isso que estou aqui. Mas primeiro temos que proteger a quem pudermos. Consegue me dizer onde fica a taverna de seu amigo...? Bark, é esse o nome, não? Ativarei o posto militar teraniano mais próximo do local e mandarei 5 soldados para ficar com ele até que tudo isso tenha acabado. São soldados teranianos, são extremamente disciplinados e técnicos em combate, eles protegerão seu amigo, a menos que Mizabel em pessoa vá persegui-lo, o que eu acho improvável. Mizabel focará na arma, é tudo o que ele quer no momento. O objetivo atual do demônio deverá ser restabelecer contato com vocês. E é nisto que vou basear meu plano.

*Lei fez uma pausa, continuando em seguida.* Ele já sabe que eu vou ajudá-los, não há como esconder isto. Mas ainda podemos enganá-lo. Eu pedirei aos ferreiros Imperiais que forjem uma manopla idêntica à essa. Mizabel não saberá qual é a verdadeira, ele não consegue sentir as armas... nem mesmo eu consigo. Você é a ÚNICA que pode. Porém, ele tentará ler seus pensamentos, tentará ver através do que você vê. A ligação entre vocês ainda existe e não há como escapar disso por enquanto. É exatamente aí que eu precisarei de você, Annabela.

*Lei então retirou a manopla e Annabela só pôde ouvir um som de metal raspando e contorcendo-se.* Descreva a ela o que aconteceu, Jaime. *E o rapaz disse.* A arma... virou uma adaga, Annabela. *Então Lei continuou.* Sim, esta é a habilidade especial desta arma. Ela pode se transformar em praticamente qualquer arma branca. Eu estarei com ela na forma de uma adaga oculta em minha cintura. Eu tenho que levá-la, não conseguirei derrotar Mizabel sem ela.

Nós sairemos da Cidade Imperial e ele virá a nós imediatamente, suponho eu. Não levarei nenhum soldado ou reforço, ele não virá se souber que é uma armadilha. E então eu direi que estou lá para entregar a arma a ele para evitar que mais inocentes sofram. Você estará carregando a manopla falsa e a entregará a ele. Ou você ou Jaime terão de fazer isso. Ele não pegará a arma de mim, com medo que eu faça algo. Ele não saberá que a arma é falsa, ele não conhece as propriedades dela. Mesmo se conhecer, eu o atacarei antes que ele perceba o truque. *E disse, por fim.* Acham que podemos fazer isto? *Perguntando aos dois. Jaime não responderia antes de Annabela responder.*

Annabela:
Queria mesmo acreditar nele, na verdade, precisava acreditar. Sentiu os olhos ficarem úmidos ao perceber que a vida de Bark seria protegida. Um imenso peso saiu de suas costas, porém ainda precisava pensar em Cat, só que o caso dela era bem mais complicado. Entretanto, no meio dessa confusão, duvidava que Mizabel fosse se preocupar com uma humana idosa. Fez um sinal positivo com a cabeça, tentando detalhar da maneira mais precisa o caminho da hospedaria. Apesar de não ter um ponto de referência no momento, fez o melhor que pôde.
Depois disso, escutou o que ele dizia com atenção. Um plano extremamente complicado, mas se tudo fosse seguido de forma correta, daria certo. Além de confiar nele e em Jaime, precisava - principalmente - confiar em si mesma.
- Entendo...
Arregalou os olhos depois que Jaime descreveu o que tinha acontecido. Até conseguia entender o motivo da obsessão de Mizabel pela arma. Uma que era capaz de virar outra? Era realmente um achado.
- Incrível! - ela disse, com um misto de temor e surpresa.
Quando ele finalizou o plano, que ao todo, parecia infalível, Annabela ficou pensativa. Não tinham outra saída, e ficar ao lado de Mizabel nessa batalha parecia muito errado, e era. Com um suspiro, ela ergueu a cabeça, determinada. Sabia que Jaime iria contra a decisão, porém era uma escolha dela. Exclusivamente dela. Sempre foi, desde o início.
- Eu entregarei a arma para ele. E antes que proteste, Jaime... Ele acreditará em mim. Sabe que tenho pavor de que algo aconteça a Bark, e também por causa do meu dom. Provavelmente deve pensar que procurei o Comandante em busca de socorro. E assim, não pensaria que ele me colocaria num risco tão grande mandando entregar uma arma falsa. Eu sou a única que pode fazer isso, e farei - mordeu o lábio, nervosa - Confio no senhor, e por isso farei o que for preciso para que Mizabel seja derrotado e pare de atormentar a vida de inocentes.

Narrador:
*Ao contrário do que ela pensou, Jaime não protestaria contra a decisão dela. Apenas daria um longo suspiro e responderia.* Entendo... nunca conheci uma mulher como você, Annabela. Se alguém pode ajudar o comandante Keylosh, esse alguém é você. Eu não tenho poderes e não sei magia, não conseguiria fazer nada diante daquela criatura... mas você pode. E eu confio em você. *Seguraria as mãos dela, pois estava sentado ao seu lado, enquanto Lei comentaria.* Você é muito corajoso, Jaime. Libertaremos sua mãe assim que Mizabel for destruído. Se o reduto dele é um semi-plano criado por ele, então sua mãe e todos os prisioneiros lá serão libertados, voltando para este plano imediatamente. Se for algum local específico neste plano, então Annabela poderá sentir facilmente a direção do lugar. De qualquer maneira eu prometo que traremos sua mãe de volta, Jaime. *Ele fez um afirmativo e continuou segurando as mãos de Annabela.

Lei então continuou, fitando Annabela.* E você também, Annabela. Qualquer outra mulher já teria desistido depois de tudo que você passou, mas sua determinação e amor pelas pessoas queridas a você fizeram com que suportasse coisas incríveis. Você é uma pessoa especial e Mizabel sabia disso. É uma pena que ele tenha te encontrado primeiro. *O barbudo levantou-se novamente.* Eu sei que querem descansar, mas rogo para que partamos imediatamente. Não sabemos se Mizabel irá atrás de Bark e Catheryn, e quanto mais demorarmos, mais os colocaremos em perigo. Eu irei até a forja para criar magicamente uma cópia da arma. Podem ficar aqui e preparem-se da maneira que quiserem. O soldado no corredor os levará até mim. Boa sorte a nós. *Lei então deixaria a sala, deixando Jaime e Annabela sozinhos. Jaime ainda segurava as mãos dela.*

Annabela:
O elogio a deixou sem graça, fazendo com que um corado intenso cobrisse as bochechas e parte do nariz, mas também conseguiu arrancar um sorriso dela. Jaime era realmente um rapaz especial e de grande coração. Ficou ainda mais emocionada com a ternura em que segurou as pequenas mãos, lhe passando força, e principalmente confiança. Não podia falhar com eles. Depois que Keylosh falou, ela também se manifestou.
- Não vai demorar, e logo sua mãe estará com a gente, Jaime. Se quiser, posso até arranjar um quarto para vocês... Bark ficará feliz em conhecê-los. Ainda mais por terem me ajudado numa situação tão... delicada e insuportável.
As palavras do Comandante causaram a mesma reação que as de Jaime. Ao estava uma mulher que não sabia se comportar em frente a elogios, o que a tornava ainda mais adorável.
- As pessoas costumam testar seus limites quando são colocadas em situações extremas, senhor... - ela sussurrou, abaixando a cabeça.
Annabela mordeu o lábio de nervoso quando o homem saiu da sala, deixando apenas ela e Jaime. Não podia errar, pois não teria uma segunda chance. Caso algo desse errado, imploraria para que Mizabel a matasse, mas que deixasse os outros em paz. E Lei Keylosh... Confiava que ele não fosse abandonar nem Bark, nem e Jaime e Cat. Ela soltou um longo suspiro depois de um tempo em silêncio, apertando as mãos de Jaime com suavidade.
- Vai dar tudo certo, Jaime. Eu tenho certeza disso, por isso não se afobe ou fique preocupado. Em pouco tempo terá sua mãe do seu lado.
Deslizou uma das mãos até alcançar o rosto dele, dando um sorriso, mas os olhos... esses continham lágrimas acumuladas, que não demoraram em rolar por suas bochechas.
- Estou com medo, mas... não vou decepcioná-los. Não quero...
E nisso, seu corpo tremeu, e ela começou a chorar compulsivamente.

Narrador:
Vai dar tudo certo, Annabela, não se preocupe. *Jaime enxugava as lágrimas dela com as mãos e depois segurou seu rosto, dando-lhe um demorado beijo. Talvez o último. Ficaria semi-abraçado a ela por mais alguns momentos e então diria.* Vamos lá acabar logo com esse demônio. Estarei ao seu lado a todo momento, prometo. *Se ela não tomasse a dianteira em levantar-se, ele o faria, dando-lhe forças.

Caso avançassem, Jaime a guiaria até o lado de fora da sala e um soldado os levaria até a forja. Demoraria alguns minutos até que Lei saísse de lá segurando uma manopla metálica idêntica à que Annabela observou em suas visões sobre o comandante. Ele passou o objeto à Jaime e ele, por sua vez, o passaria para Annabela. Já havia uma carroça esperando por eles próxima dos portões da cidade. Lei assumiria as rédeas, enquanto Jaime colocaria Annabela na parte de trás, e em seguida sairiam em disparada.

Jaime não teria essa sensibilidade mas Annabela saberia o exato momento em que Mizabel voltou a vigiá-los. A cada metro mais distante da Cidade Imperial, a influência do demônio retornava a eles e suas marcas chegavam a arder. Era claro que Mizabel estava nervoso e ansioso em restabelecer contato. O demônio poderia aparecer a qualquer momento durante a viagem. Lei não tinha um rumo certo, apenas dirigia a carroça o mais longe possível do território Imperial para justamente dar ao demônio a liberdade de aparecer.*
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Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado) Empty Re: Demônios Interiores - Parte 1 (Encerrado)

Mensagem por Lei Keylosh Sex 17 Ago 2012, 11:12

Annabela:
Queria acreditar fielmente nas palavras de Jaime, mas simplesmente... seu coração estava apertado demais. Por mais que mantivesse fé, ainda assim era tão difícil... Não saber o que está por vir. Ou melhor, ela sabia o que estava vindo: um demônio furioso. Só não sabia o que viria a acontecer. Seus pensamentos foram cortados quando os lábios de Jaime se colaram em sua boca, num beijo longo. Annabela fechou os olhos, e também como se fosse o último, o correspondeu. A troca de carinho não foi o suficiente para acalmá-la, mas arrancou um sorrisinho.
Não precisou fazer esforço para que ela levantasse. A mocinha ali não era de dar para trás, de forma alguma. Respirando fundo, deixou que Jaime a conduzisse até o lugar onde os soldados estavam, e assim encontrariam Keylosh.
[...]
Suas mãos tremiam ao segurar a arma metálica. O contato do quente com o frio causou um choque em seu corpo, e ela engoliu em seco.
"Vamos, Annabela... Acalme-se..."
Fechou os olhos quando Jaime a colocou na carroça, e como forma de proteção, colocou a manopla contra o peito, num abraço firme, tentando manter a mente limpa para que não pudesse estragar os planos de Lei. O balançar a fazia se sentir nervosa e calma ao mesmo tempo. Foi então que sentiu a marcar arder e a intensa sensação de olhos caindo sobre seu corpo. Era Mizabel. Podia senti-lo furioso, e isso arrancou um gemidinho baixo. Queria comentar que o demônio já podia fazer contato, porém caso Mizabel soubesse, poderia ficar desconfiado na hora que ela fosse entregar a manopla falsa.
"Mizabel...?" - queria apressar logo as coisas. Talvez se não estivessem tão distantes da Cidade Imperial, houvessem chances de alguém vir em socorro de ambos, caso algo desse errado - "Sei que está aí... Por favor, venha... Já estou com a manopla."
Sentia-se uma tola conversando consigo mesmo. Era inexperiente, e não sabia fazer um contato tão direto assim. Mas se ele pelo menos pudesse ler sua mente, talvez desse certo.

Narrador:
*E o demônio entenderia o recado perfeitamente. O dom - ou maldição - de Annabela ajudava no contato. Não demorou muito até que a estrada por onde a carroça andava fosse tomada por um calor extremo. O céu azul naquela região deu lugar a um vermelho fogo e fagulhas pareciam sair do solo e flutuar no ar. Os cavalos assustaram-se e pararam, fazendo com que a carroça quase virasse, tamanha sua agitação. A forte presença demoníaca era sentida por Annabela e logo iria se materializar fisicamente. Mizabel sairia de um portal no chão, em sua forma bestial, e ficaria parado frente à carroça.*

Então... finalmente nos encontramos... *Disse Lei, descendo da carroça e fitando o demônio. E Mizabel respondeu, em língua Comum.* Então... finalmente nos encontramos, Keylosh... Você é popular nos círculos de demônios no submundo. É uma pena que eu não me importe com isso. Eu só quero o que você carrega. *E Lei respondeu, caminhando para a parte de trás da carroça.* Sim, eu sei disso. E é exatamente o que lhe darei. *Fez um sinal para Jaime, que tremia de medo, e o mesmo começaria a guiar Annabela para fora da carroça. Era claro que, para que o plano funcionasse, Jaime também precisaria nublar seus pensamentos, já que Mizabel os lia tanto quanto lia os de Annabela.*

*O demônio deu uma risada grotesca.* Eu sabia que ia ajudá-los, Keylosh, mas não achei que me daria a arma sem resistência. Vir sozinho com eles foi um movimento arriscado, mas... você sabia que eu não apareceria se não estivesse sozinho. *E Lei respondeu.* Você sabe que não posso colocar a vida de inocentes em perigo. Mas lhe garanto, Mizabel... a arma não lhe trará nada além de sua própria destruição. *O demônio daria nova risada.* Lindas palavras, Keylosh... pena que não mudarão nada. *E o comandante voltou a falar.* Eu não esperava vê-lo sozinho, Mizabel. Onde estão seus lacaios?

*Mizabel respondeu prontamente.* Nem mesmo centenas de meus lacaios seriam capazes de derrotá-lo, Keylosh. Sei de seu poder. Mas existe um outro motivo. *Neste momento, o demônio começou a transformar-se, a mesma transformação que Annabela presenciou nos aposentos dos domínios da criatura. A voz mais humana mas ainda demoníaca no corpo de um homem continuava falando.* Eu refleti em meu semi-plano depois que perdi contato com meu soldado teraniano infiltrado em suas fileiras, e mais tarde com Jaime e Annabela. E cheguei à uma conclusão. Eu errei, Annabela. *O demônio claramente direcionava sua fala para a garota.* Eu não tinha o direito de destruir a sua vida e à de Jaime e sua família. E por causa disto... eu peço que me perdoem. *Aquilo sim era surpreendente. Um demônio pedindo desculpas.*

Annabela:
Não precisava ser muito esperto para perceber a drástica mudança no clima. Não que aquele calor fosse parecido com o inferno onde ficara presa, mas era muito semelhante, e isso só podia significar uma coisa: Mizabel estava chegando. Então, tinha dado certo... ela só não sabia se ficava feliz ou não. Contato mental com demônios... Aquilo não era uma boa notícia, pelo menos para ela. A presença dele se fez intensa, e não era necessário enxergar para saber que estava na sua forma mais crua e bestial. A forma que ela tanto temia...

A voz parecia lhe cortar, mesmo que Mizabel não estivesse falando com ela, mas sabia que sua vez logo chegaria. Estranhamente, não sentia fúria vindo dele, e parecia até calmo demais. Quando Jaime a ajudou a sair da carroça, ela sentiu as pernas bambas, e pediu um pouco de tempo para ele, tentando não demonstrar fraqueza. Depois de um sinal positivo, caminhou ao lado dele, segurando seu braço, e tentando disfarçar, se sustentava nele. E assim como Jaime, nublava seus pensamentos, tendo que fazer muito mais esforço.

Os homens começaram a trocar palavras novamente, o que deixava Annabela ainda mais apreensiva. Passou a mão pelo braço de Jaime, com delicadeza, mesmo tendo a mão trêmula.

- Tudo vai dar certo... – sussurrou – Logo você terá sua mãe, e poderemos recomeçar.

Já tinha perdido a conta de quantas vezes dissera aquilo para ele. Talvez fizesse aquilo no intuito de enfurnar aquela afirmação em sua mente, até transformá-la numa verdade. Para sua surpresa, a voz que ressoava agora era a mesma que a tinha coagido a fazer o pacto. Ele tinha se livrado da aparência bestial, ficando numa até mais vulnerável. Annabela não entendia a intenção por trás disso, e ficou ainda mais confusa com as seguintes palavras. A maneira como se dirigiu a ela, falando seu nome lhe provocou arrepios. E o pedido de desculpas... Ela arregalou os olhos, ficando sem fôlego, e acabou não se contendo. Nervosa e transtornada, apertou o braço de Jaime, inconscientemente.

- Mas... Você não pode estar sendo sincero! – ela abaixou a cabeça, sentindo os olhos molhados – Só está dizendo essas coisas para que eu leve a arma até você! Porém, poupe seu esforço, está bem? Não precisa mais fingir...

Desnorteada, soltou-se de Jaime, dando alguns passos para frente, meio estabanada. Estendeu as mãos, como se procurasse algo.

- Senhor Keylosh, por favor, vamos acabar com isso... Me dê a arma para que eu possa entregá-lo.



Narrador:
*As palavras de Annabela confortavam Jaime, mas isto não mudava muito sua situação, frente ao medo que o rapaz sentia. Apesar disso, ele continuava em frente, como sempre fez desde que toda a operação começou. Lei concordava com Annabela, era preciso acabar logo com aquilo, e fez um sinal para Jaime, afinal, ele segurava a manopla falsa. O rapaz colocou o objeto nas mãos da garota e deu alguns passos para trás, sussurrando para ela.* Boa sorte, Annabela.

*Annabela via Mizabel através de sua energia, ela saberia mover-se até ele. Ele continuou falando, entretanto, com sua voz humanoide e que penetrava fundo em ouvidos despreparados.* Espere, Annabela. Estou sendo sincero e irei esclarecer as coisas para você. Eu admito que queria apenas usá-la para encontrar a arma... mas não sou apenas eu que quero isto. Keylosh também quer usá-la, ele também quer encontrar as outras 8 armas. E posso provar.

*Lei respondeu ao demônio como se estivesse desprezando suas falsas afirmações.* Eu adoraria ficar aqui e conferir que tipo de provas você tem contra mim, Mizabel, mas inocentes estão em perigo enquanto você não tiver posse desta arma e eles são minha maior preocupação no momento. *Mizabel responderia.* Estranho você preocupar-se com os inocentes agora, Keylosh... pois houve um tempo em que você os assassinava. *O demônio então ergueu uma das mãos ao ar e uma espécie de superfície reflexiva formou-se acima dele, feita por magia demoníaca, e imagens foram exibidas nesta superfície. Para Annabela era pior, pois aquelas recordações vinham em forma de cheiros, sons e emoções. Enquanto Jaime e Lei apenas assistiam, Annabela podia quase sentir o que acontecia naquela cena.*

*Era Lei em trajes negros com o símbolo de uma caveira branca. Apesar de ainda usar o cabelo longo e a barba, parecia alguns anos mais novo, mostrando que aquelas cenas eram de um passado recente. Ele liderava um bando de mortos-vivos e saqueava uma vila. Matava mulheres desarmadas com frieza e parecia estar se divertindo com aquilo. Crianças, velhos... ninguém escapava dele na visão. Havia poucos sobreviventes, que eram levados até um castelo grande e negro como a noite para tornarem-se escravos e serem torturados e colocados em condições subhumanas.*

*Ao final da visão, Mizabel voltou a falar.* Está vendo, Annabela? Lei Keylosh não é o bem feitor que você achou que fosse. Ele fez tantas crueldades que eu e vários demônios de castas superiores do submundo nos interessamos por ele e passamos a seguir cada passo dele. *Lei respondeu prontamente, parecendo alterado.* Annabela, eu realmente cometi crueldades, mas isso foi no passado! Eu mudei e é exatamente por isso que quero ajudá-los! Acha que eu me tornaria comandante do exército de uma ordem destinada ao bem e à justiça, se ainda fosse maligno??



Annabela:
O contato com a arma provocou um choque que lhe assustou. Porém, a segurou com firmeza, determinada a terminar tudo aquilo. Mas as coisas não pareciam ser tão fáceis assim... Mizabel não deixariam que fossem. Já estava suficientemente perto dela para entregar a manopla, quando as palavras a socaram com força. Ela arregalou os olhos, sem conseguir acreditar no que ele dizia. Entretanto, lembrou-se de que Lei tinha comentado algo a respeito disso, porém sem entrar em detalhes.

Mas os detalhes logo seriam mostrados... Não sabia explicar, pois a dor a atingiu com tanta força, mais tanta força, que chegou a pensar que alguma costela havia se partido. Segurava a arma com força e rangia os dentes. Seus olhos estavam ainda mais marejados. Ela sofria com aquilo... Ninguém a machucava, no entanto parecia que feridas se abriam em sua pele, rasgando sem a menor piedade. Começou a sentir gosto de sangue e cheiro de ferro... Aliás, ferro tinha cheiro? Pele queimada... Fechou os olhos, balançando a cabeça, tentando acordar daquele pesadelo.

- Pare... Pare! – ela começou a gritar.

Ainda estava tonta ao fim da visão, e ofegante. E o gosto de sangue ainda estava na boca, que ela descobriria ser o seu. Tinha mordido o lábio inferior, quase o partindo. Mizabel poderia notar que pensamentos de acabar com a própria vida se passavam pela frágil mente. Seres humanos eram assim... Delicados sobre pressão, e aquela garota certamente já tinha ultrapassado seu limite.

- Pare, por favor... – ela começou a choramingar – Parem de ferir as pessoas... Oh, céus...
Soluços sacudiam seu corpo, parecendo convulsões. Apesar de tudo, ela ainda segurava a manopla falsa com firmeza.



Narrador:
Eu não vou ferir mais ninguém, Annabela. *Continuava o demônio, com sua voz calma. Ele aproximou-se dela, segurando seus finos braços. Lei não podia fazer nada, atacar Mizabel antes da armadilha completar-se não era prudente e agora havia o perigo de ferir Annabela. Tudo o que podia fazer era batalhar com o demônio com palavras. E Mizabel continuou.* Depois desta arma, você me ajudará a encontrar as outras e eu não precisarei de mais nada, portanto, não irei mais ferir ninguém. Libertarei a mãe de Jaime, bem como todos os outros. Eu não precisarei mais deles, pois a arma me dará tudo o que preciso. Seu amigo Bark não terá problemas, pelo contrário... ele se juntará a nós, quando souber que você será minha nova esposa. Eu lhe darei tudo do bom e do melhor e vocês todos irão usufruir disto. Bark, Jaime e Catheryn, e todos aqueles que forem nossos aliados.

*Jaime quase gritou há metros de distância, fitando o demônio.* Você realmente libertará minha mãe?? *E foi rapidamente replicado por Lei.* NÃO!! Não cometam este erro! É óbvio que ele quer enganá-los! Acham mesmo que ele cumprirá todas estas promessas vazias?? *Disse Lei, preocupado se Jaime abriria sua mente para o demônio e deixaria o plano à mostra. E Mizabel continuaria em seguida, acariciando os braços de Annabela. Seu corpo humanoide estava nu, e agora ela sentia um tipo diferente de calor. Um calor aconchegante e não sufocante como sua energia gerara momentos atrás. Toda a dor das visões havia desaparecido.* Vai mesmo ouvir um homem que esconde-se por trás de máscaras do passado, Annabela? Eu pelo menos nunca escondi minha verdadeira natureza ou minhas intenções. Mas, se isto não for o suficiente para mostrar a você, eu tenho outra revelação: Jon está vivo. Minha possessão não o matou. Ele está em meu semi-plano agora e reencontrou-se com Catheryn. *E a imagem da superfície espelhada acima da cabeça dele mostrava uma sala com paredes bem parecidas com as da masmorra onde eles ficavam presos. E lá estava Jon, com os mesmos trajes simples que usara quando encontrou Annabela, abraçado com Catheryn.*

PAI!! *Gritou Jaime, vendo a imagem. E Mizabel voltou a falar para a garota.* Tudo o que tem que fazer é entregar-me a arma, Annabela, e Jaime será feliz com sua família novamente e eu a farei a mulher mais rica e poderosa deste plano, bem como Bark e todos aqueles que você ama.


Annabela:
Tomou um susto, meio que voltando a si quando Mizabel segurou seus braços. Por instinto, apertou a manopla com mais força. De começo, pensou que ele fosse machucá-la e puxar a arma, tirá-la na força, mas pelo visto, o demônio estava na base do convencimento. Annabela não tinha noção em quem devia acreditar. E o manifestar de Jaime só a deixou ainda mais confusa, sem saber o que fazer, pois disso tinha certeza... As vidas de muitas pessoas estavam em suas mãos... Na forma de uma manopla falsa.

Os oferecimentos dele, tudo parecia tão simples e perfeito. Realmente queria deixar Keylosh em maus lençóis. Estava conseguindo até mesmo convencer Jaime. E como uma grande jogada, revelou que Jon estava vivo. Annabela sentiu os olhos marejados de novo, mas dessa vez não se descontrolou. Se de um lado, Mizabel disparava suas balas, do outro, Lei se defendia com um escudo fraco.

Tudo ali contribuía apenas para seu desespero. Olhou para baixo, se deixando levar pela sensação estranhamente confortável que a presença de Mizabel exercia sobre si. Soltando um largo suspiro, ela levantou a cabeça, já sabendo o que tinha a fazer...

- Pegue sua arma, Mizabel. Liberte todos e... nos deixe em paz, é apenas isso que quero – engoliu em seco – Nada de riquezas ou de se tornar sua esposa, quero apenas voltar para Bark, e esquecer que isso tudo um dia aconteceu – puxou os braços, de forma que ele a soltasse e estendeu a arma – Ela é toda sua.



Narrador:
*Mizabel pegou a manopla e por alguns segundos nada parecia estar acontecendo. Até que o demônio deu uma risada insana e voltou à sua forma bestial, seu calor voltando a ser sufocante, bem como sua energia. Um pulso de energia do corpo dele impulsionaria Annabela para trás.* Tola!! Devia ter aceitado minha oferta! Temos um pacto, você e todos aqueles que ama sofrerão por toda a eternidade! Assim lhe garante Mizabel, o demônio mais poderoso do submundo! *As risadas do demônio foram interrompidas por um gatilho acionado na manopla. Da arma saíram diversas pontas metálicas, como se fossem grandes espinhos de metal transmutado, e estas estacas atravessaram o corpo do demônio, fazendo-o soltar um urro de dor. As estacas não retrataram, o que deixou o demônio imobilizado. Rapidamente Lei sacou a adaga em sua cintura, a verdadeira arma mágica, que transformou-se em uma lança na mão dele, e ele a arremessaria na direção da criatura.

O demônio era mais forte do que o previsto e conseguiu quebrar uma das estacas de metal, liberando sua garra direita. Com ela, Mizabel socou a lança, que caiu há alguns metros de distância entre ele e Lei. O demônio começou a quebrar as outras estacas, enquanto Jaime correu na direção de Annabela para tentar afastá-la da criatura. Mizabel então desferiu um golpe com sua garra, que mais parecia um arpão, e Jaime conseguiu empurrá-la no último instante, sendo ele o atingido pelo golpe. A ponta da cauda da criatura, que parecia uma lâmina muito fina e afiada, atingiu Jaime no ombro, perigosamente perto do peito. O rapaz caiu inconsciente, enquanto Lei sacava sua própria arma, na esperança de conseguir pelo menos retardar o demônio até que ele conseguisse pegar a arma mágica novamente.*



Annabela:
Quando Mizabel pegou a arma de suas mãos, Annabella arregalou os olhos. Alguma coisa estava errada, muito errada, e ela notou isso bem antes dele se transformar. A mudança de forma e temperatura foi apenas uma confirmação. As palavras a atingiram com força, fazendo com que desse alguns passos para trás, desnorteada. Como já devia ter imaginado, ele era um hipócrita cruel, assim como todos os outros. Talvez até como o próprio Lei Keylosh.

- Pacto? Pode então me matar, seu desgraçado, mas eu não faço mais nada para você! - gritou, chegando a ficar vermelha e ofegante.

Pelos sons diferentes, notava que alguma coisa estava acontecendo. O plano! Lei ainda o estava seguindo, e Annabela agradeceu mentalmente por isso. Pelo gemido alto de Mizabel, ele tinha sido atingido. Estava dando certo! Ela quase chorava de alegria. Porém... Arqueou as sobrancelhas. Alguma coisa não estava dando certo, pois ainda podia sentir a energia pesada de Mizabel, intensa e inabalada. E como resposta, sentiu alguém a empurrando. Seu corpo se chocou com força no chão, chegando a perder o sentido por alguns instantes. Mas reconheceu o gemido... Era Jaime!

- Não... - ela choramingou, desesperada - Jaime?!
Tonta e dolorida, ela meio que se arrastava, sem saber para onde ir, não tendo ideia de qual direção era a certa. Então parou, chorando.

- Jaime!? Por favor, me responda, onde você está?
Silêncio! Apenas o silêncio. Foi então que, sua mão tocou algo... Gelado e longo. Uma lança... Não sabia como, mas de alguma forma... Aquela era a arma mágica. A verdadeira. Ficou de pé, com a lança presa nas mãos trêmulas, apontando para qualquer lugar. Até que que... Começou a bater a lança no chão, com força, chegando a se machucar, mas não se incomodava com a dor. Sua intenção era óbvia: queria quebrar a arma.



Narrador:
*Mizabel livrou-se das estacas definitivamente e quando ele o fez, Lei já estava próximo a ele, desferindo um golpe contra o demônio com sua própria arma, que era uma foice mágica. Não era tão poderosa quanto a arma que agora estava nas mãos de Annabela, mas esperava ser o suficiente para pelo menos retardar o demônio. Annabela sentia que era uma arma muito poderosa, ela não se quebraria apenas com impacto físico. Ela conseguiria rachar a ponta da lança, o que faria a arma transmutar para uma espada, mas voltaria para a forma de lança se Annabela assim quisesse. A arma estava instável e agora mudaria para uma adaga, provavelmente refletindo o estado desesperado de seu usuário. A arma se transformaria em qualquer arma branca que Annabela pensasse e mesmo se isso não acontecesse, ela tentaria interpretar qualquer pensamento como uma ordem de transformação.*

*Enquanto isso, Jaime continuava sangrando e inconsciente e Lei batalhava com o demônio e energias de diferentes tipos emanavam dos dois. A batalha duraria pouco tempo mas seria violenta, com os dois combatentes terminando caindo ao chão. Mizabel tinha o peito praticamente todo rasgado e Lei tinha a perna quase dilacerada. Era claro que nenhum dos dois estaria levantando tão cedo. Lei perdeu a consciência momentos depois e permaneceu deitado.*

*Após cuspir sangue demoníaco, Mizabel daria outra risada insana entre engasgadas, fitando Annabela.* Garota tola... eu lhe ofereci o mundo e você apenas quer voltar para sua vida miserável... Humanos apenas servem como escravos, peões no grande jogo, este é o destino de vocês, seus vermes... *Deu outra tossida, expulsando grande quantidade de sangue.* Acha que isto acaba aqui? Você nunca terá paz, agora que outros demônios sabem de seu dom! *Mais uma risada insana.*



Annabela:
Alheia a batalha entre os dois, Annabela só se concentrava na arma, batendo cada vez com mais força no chão, se desesperando por não conseguir quebrá-la. De repente, a lança começou a mudar a forma, o que a fez parar de chocá-la, obviamente. Arqueou as sobrancelhas, imaginando que pelo menos tivesse a danificado. Quando se transformou numa adaga, provocando um corte em sua mão, ela a soltou, assustada.
Foi então que, a energia de Mizabel foi finalmente atingida, o que revelava que Lei conseguira ferir o demônio. Entretanto, também podia sentir furos na dele. Ao que tudo indicava, era a pessoa em melhores condições ali. Fisicamente falando, claro. Foi cortada de sei estado de semi-choque ao escutar Mizabel falando... com ela. Moveu a cabeça para o lado de onde vinha o som, e franziu as sobrancelhas, se deixando levar pelo aborrecimento.
- Minha vida nunca foi miserável, Mizabel... - deu alguns passos, reunindo coragem. Não se deixaria intimidar por ele novamente - Não era... até você se infiltrar nela. Mas isso vai mudar. Não vou permitir que me dê mais nenhuma ordem!!! A partir de agora, não existe nenhum pacto que nos junte. Não sou sua propriedade... e nunca fui. E que venham... Não tenho mais medo de vocês.
Já estava perto o suficiente dele. Se ficasse de joelhos e estendesse as mãos poderia até tocá-lo. Porém, permaneceu de pé, mordendo os lábios, um tanto nervosa.
- Não pode mais me atingir. Nunca mais! - gritou.

Narrador:
*Entre tossidas, o demônio respondeu.* Talvez não... mas ainda posso destruir você antes de perecer! *Mizabel então fez um último esforço e jogou-se contra Annabela, de forma a cair em cima dela. Tinha força suficiente para mantê-la imobilizada, mas precisava de um instante para juntar forças e desferir o ataque final contra o pescoço dela. O demônio ergueu o braço e fazia um esforço tremendo, pois estava em suas últimas forças. O movimento deixou o peito dele, já aberto, totalmente exposto. Annabela podia "ver" aquela grande energia demoníaca em cima de si e, principalmente, o coração negro que batia ali dentro, agora totalmente vulnerável. E a única coisa que também emitia energia e que a garota conseguia visualizar era a arma mágica, que estava no chão próxima a ela...*

Annabela:
Tomou um susto ao ver o demônio ficando de pé, a derrubando e caindo sobre seu corpo. O baque foi dolorido e sufocante. Não conseguia afastá-lo... muito mal se mexia. Começou a ficar nervosa, sem saber o que fazer. Mas já podia imaginar as intenções dele.
- Me...deixe em... paz! - pressionou as mãos nos ombros dele, tentando empurrá-lo, mas Mizabel era muito pesado, ainda mais na sua verdadeira forma.
Mesmo não vendo o movimento, Annabela arregalou os olhos, pois sabia que seria seu fim. Não tinha como se defender de Mizabel. Jaime e Keylosh não viriam em socorro. Dependia exclusivamente de si mesma. Foi então, que no meio do desespero, sentiu a presença da arma, que estava na forma de uma adaga. Rangendo os dentes e sem pensar muito, esticou o braço, encostando os dedos no metal gelado.
- Não vou permitir que machuque mais ninguém, seu desgraçado!
Segurou a adaga e num golpe certeiro... atingiu o coração escurecido e frio de Mizabel.

Narrador:
*O golpe fez o demônio emitir um grunhido estridente, algo que assustaria qualquer ouvido comum. Mas não Annabela, ela já estava fortalecida contra tudo isso. Ao ser perfurado, o coração da criatura jorrou grande quantidade de sangue demoníaco, molhando a garota praticamente toda. O demônio então cambaleou para trás e tentaria retirar a arma caso ela tivesse deixado-a fincada em seu coração, mas já era tarde. Em questão de segundos ele caiu inerte, o grunhido ficando mais baixo a cada instante, até que sua energia demoníaca sumisse completamente.

Antes que o silêncio pudesse reinar naquele lugar, o céu voltou ao seu tom azulado. E o calor não era mais sufocante. Uma ondulação surgiu no ar, como uma espécie de distorção na realidade. Annabela podia sentir essa alteração e depois ouviria cerca de 15 vozes, a maioria gemidos de dor e expressões de confusão, vozes essas que não estavam ali segundos atrás.

Caso ainda não tivesse compreendido o que se passava, Annabela ouviria a voz de Catheryn.* Jaime!! *Ela correria até o filho, ajoelhando-se ao lado do mesmo, que ainda estava inconsciente, e só depois avistaria Annabela, gritando na direção dela.* Annabela! *Algumas das outras vozes, algumas de naturezas bem diferentes, repetiriam o nome, cada um a sua maneira, e entenderam que se tratava do nome da humana. Eram os escravos de Mizabel que residiam em seu semi-plano. Eles foram libertos com a morte de seu captor. E, para eles, até mesmo para Catheryn, a situação era bem clara: Annabela era a única em pé ali e estava encharcada de sangue de demônio, e o demônio que os aprisionava estava morto com uma adaga enterrada no peito (ou ainda na mão dela). Eles concluíram imediatamente que ela os libertou.*

Annabela!! Você nos salvou! Obrigado, Annabela!! *Diziam as vozes, isto é, as que falavam o idioma Comum. Annabela provavelmente não entenderia as outras, a menos que falasse élfico, anão ou a língua celestial. A maioria dos capturados, entretanto, eram humanos.*

Annabela:
Tomou um enorme susto ao escutar o grito do demônio. Não tinha puxado a arma, deixando que sua energia se espalhasse pelo corpo dele, e se fosse possível, o ajudasse a matá-lo. Afinal, ela não agia de acordo com o que aquele que a empunhava quisesse? Independente de sua forma, só queria o fim de Mizabel. Levou as mãos até as orelhas, evitando que o som causasse dor. Sentiu o corpo todo molhado, e já imaginava o que seria o líquido: o sujo sangue de Mizabel. Sentiu nojo, mas pelo menos ele já não estava mais a apertando. Conseguiu se sentar, sem saber exatamente o que acontecia, porém de uma coisa tinha certeza: a energia demoníaca dele estava abandonando seu corpo. Mizabel estava morrendo.
Ficou esperando, e esperando... até que nada. Não existia mais a energia sinistra dele. Enfim... o demônio tinha sido derrotado. Annabela sentiu os olhos cheios de lágrimas. Não que ela não fosse mais ser atormentada, porém tinha conseguido livrar Jaime, Cat e Bark de uma vida horrível. E Jon! Todos estavam... livres.
Tomou um susto quando escutou várias vozes, não conseguindo se concentrar no que diziam. Com dificuldade, conseguiu ficar de pé, mas ainda estava um tanto desorientada. Deu alguns passos para frente, e depois recuou, não sabia para onde ir.
- Jaime? - chamou por ele, mas não conseguia reconhecer sua voz no meio de tantas outras.
Escutou Catheryn e seguiu o som, ainda mais quando ela disse seu nome. Ainda chorava, podendo reconhecer seu nomo sendo repetido várias vezes. E compreendeu que aqueles eram os outros escravos de Mizabel. Estendeu as mãos, procurando Cat, assustada com tanta movimentação.
- Jaime! Cat, por favor, ajude o Jaime! Acho que ele foi ferido, e o senhor Keylosh...
Não conseguia raciocinar direito, e nem sabia se estava perto da mulher. Ficou um pouco tonta, e se sentia fraca. Parou, respirando fundo, temendo desmaiar ali mesmo. Estava feliz, claro que estava, mas seu corpo reclamava por um descanso, e não duvidava que todos os outros gostariam do mesmo.

Narrador:
*Cat fez um sinal para que ajudassem a moça a ir até ela. Alguns dos humanos, pessoas boas e inocentes que foram capturadas por Mizabel, ajudaram Annabela a andar até Cat e Jaime. Outros, principalmente das outras raças, ao perceberem que estavam livres, saíram correndo em outra direção, deixando o grupo para trás. Não se importavam com quem os tinha libertado ou o que aconteceria com eles, e Annabela nunca mais os encontraria.

Os que ficaram, entretanto, permaneceram ali perto, ainda tentando entender o que acontecera. Um deles, um homem de meia-idade, aproximou-se do corpo inconsciente de Lei e reconheceu o brasão Imperial nos trajes dele. Não demoraria muito, porém, para que a suspeita do homem se confirmasse. Um grupamento de soldados teranianos chegou rapidamente ao local. Provavelmente Lei tinha combinado algum plano emergencial com os soldados. Um veículo trouxe uma dezena deles, enquanto havia mais uma dezena montados. Os soldados desceram do veículo e foram na direção do comandante, enquanto o capitão do grupamento aproximou-se das pessoas e começou a falar.* Não se preocupem, vocês estão a salvo e ficarão bem. *Mais dois veículos puxados a cavalo chegaram, um deles trazendo clérigos e curandeiros, que começaram a examinar aquelas pessoas, tratando de seus ferimentos e verificando qualquer traço restante de energia demoníaca ou influência.

Cat tinha Jaime nos braços e puxou Annabela para perto de si, no chão.* Ele está vivo, Annabela. Mas está muito ferido. Foi a criatura que o acertou? Você lutou com ela? *Perguntou Cat, preocupada se aquele sangue todo na moça era dela ou do demônio, ou ambos. Se Annabela quisesse, poderia confirmar que Jaime estava vivo, embora a respiração do rapaz estivesse lenta e descompassada. Não demoraria até que um dos curandeiros se aproximasse e começasse a analisar o ferimento de Jaime. Era claro que o rapaz precisaria de maiores cuidados emergenciais.*

Annabela:
Sentiu um par de braços a enlaçando pela cintura, sustentando a maior parte de seu peso. As pernas tremiam tanto que chegava a doer quando as mexia. Mas não demorou muito para ficar ao lado de Cat, ajoelhada e com lágrimas nos olhos. Agora, finalmente, podia se entregar a fraqueza e dor que vinham a atormentando nos últimos tempos. Poderia, por um momento, não ser forte.
As palavras do soldado se infiltraram em sua mente, confirmando que Mizabel não poderia mais atingi-los. Annabela começou a chorar, levando as pequenas mãos até o rosto. E logo sentiu as de Cat a puxando, fazendo com que a menina enterrasse a cabeça em seu ombro, buscando conforto. E chorou ainda mais ao saber que Jaime estava gravemente machucado por sua culpa. Se tivesse dito que poderia realizar aquela missão sozinha...
- Ah, eu não sei direito o que aconteceu. Mas tenho certeza que Mizabel o feriu, e... quase fui morta. Tive mais sorte do que qualquer outra coisa, Cat. A arma... me chamou. Eu quase podia escutá-la pronunciar meu nome. E então... a enfiei no coração dele.
Deslizando os dedos, conseguiu encontrar um dos braços de Jaime, e logo segurou sua mão, a apertando de leve.
- Jaime... Por favor... - ela sussurrou - Não pode nos deixar agora...

Narrador:
*Cat fitou Annabela, surpresa pelo que a moça havia feito. Nunca imaginava que aquela garota cega e franzina pudesse derrotar um demônio poderoso. O curandeiro Imperial gritaria qualquer coisa para os soldados e então uma maca seria trazida. Um dos soldados então falou para Cat.* Senhora, precisamos levar o rapaz até a Cidade Imperial para que receba cuidados, ou ele não sobreviverá. Vocês irão no outro veículo, está bem? *Cat naturalmente deixaria que levassem Jaime, que foi colocado com muito cuidado na maca, enquanto os clérigos já conjuravam magias de cura emergencial, que o manteriam estável até que ele alcançasse a Cidade Imperial. Cat agora ficaria com Annabela e a guiaria para onde quer que precisassem ir. Um outro soldado estava guiando todos até o veículo e Cat foi para lá, entrando com Annabela na carroça e colocando-a sentada ao lado dela.*

Obrigado pelo que fez por nós, Annabela. Você foi muito forte. Descanse agora, menina, está tudo bem. *Disse Cat, colocando a cabeça dela de volta em seu ombro e acariciando seu braço, como uma mãe consola uma filha. A viagem seguiria silenciosa, com o ranger do veículo entrecortado apenas por conversas entre os ex-prisioneiros, alguns deles dizendo que iam voltar para suas famílias, outros projetando o que iriam fazer a partir daquele momento, e outros ainda aparentemente sem rumo, que provavelmente veriam na Cidade Imperial uma oportunidade de começar tudo de novo.

A carroça logo chegaria aos portões da cidade e o som familiar daquelas ruas movimentadas voltava a invadir os ouvidos de Annabela. Foram levadas até a enfermaria na área militar da cidade, onde receberam todos os cuidados que precisavam. Cat não se separou de Annabela durante toda a movimentação. A garota podia ouvir murmúrios entre os soldados, comentários abafados, e podia concluir que as notícias do que havia acontecido chegavam até o quartel. "Ela fez o quê?" dizia um soldado, não acreditando que aquela garota havia derrotado um demônio, algo que nem mesmo o comandante Keylosh conseguiu.

Depois dos cuidados médicos, foi oferecido abrigo para todos os ex-prisioneiros até que eles se recuperassem totalmente. Alguns recusaram, trocando uma noite de sono pela chance de viajar imediatamente e tentar reencontrar suas famílias, já que nenhum deles sabia exatamente quanto tempo havia se passado desde que foram levados para as masmorras de Mizabel. Cat explicou seu parentesco com Jaime e os soldados prometeram atualizá-las sobre o estado do rapaz assim que ele melhorasse. Por enquanto o estado dele continuava o mesmo, informaram: inconsciente e fragilizado, mas estável. Eles permitiriam que Annabela ficasse com Cat e as duas foram levadas até um aposento.*

Annabela:
Se Jaime morresse, Annabela nunca se perdoaria. Causar esse sofrimento a Cat seria inaceitável, além do mais... também sofreria. E se surpreendo ao constatar que estava apaixonada pelo rapaz. E tal fato só a fez chorar ainda mais, ciente da dor que esmagava seu coração com fúria. Escutava o soldado, mas não conseguia compreender suas palavras, e nem fazia questão. Estava ocupada demais se concentrando na respiração fraca do rapaz caído a sua frente.

Quando Cat a separou de Jaime para que pudessem levá-lo, Annabela estremeceu, não querendo ficar longe dele, mas sabia que era para o seu bem. Segurou o braço de Cat, ainda chorando, buscando apoio na mulher mais velha que a tratava como se fosse uma filha. Sem forças e dolorida, deixou que Cat a orientasse por ali, confiando plenamente na mulher.

Seu corpo todo reclamava de cansaço e dor, e as palavras dela causaram um alívio leve. Fechou os olhos quando sua cabeça repousou no ombro tão frágil quanto o seu, e sem demora, acabou adormecendo com muita facilidade. Mas por um curto período, já que a ‘viagem’ até a Cidade Imperial foi rápida. Diante de tantos sons, acordou, assustada, segurando a mão de Cat com força, e pela retribuição do aperto, sabia que ela não sairia de perto. Na hora de fazer os curativos, Annabela se viu nervosa, muitas vezes recuando quando pediam para ela tirar a roupa e mostrar algumas escoriações. Porém, o mais grave era um longo corte no ombro, que ela não lembrava de onde tinha o arranjado. Já estava enfaixada e medicada.

Assim que chegaram no quarto, Cat levou Annabela até uma das camas, onde a menina se deitou, exausta. Encolheu-se, como se estivesse com frio, mas por dentro, estava aliviada. Eles tinham conseguido, afinal. Fechou os olhos, soltando o mais longo suspiro, e sorriu. Discretamente, e o movimento provocou uma ardência nos lábios secos, mas estava feliz.

- Jaime vai ficar bom, tenho certeza... E finalmente poderemos reconstruir nossas vidas – sentiu os olhos marejados – Oh, como sinto falta de Bark!



Narrador:
Nós reencontraremos seu amigo, não se preocupe. Agora descanse, menina. *Disse Cat, deitando-se ao lado dela e acariciando seus cabelos. Estavam imundas, mas o banho poderia esperar. O cansaço físico e mental eram maiores agora. Cat acabou dormindo ali com Annabela e dormiria por mais algumas horas, sendo despertas apenas por uma camareira que viria para ver se estava tudo bem. Ela também traria roupas limpas e ajudaria caso Annabela quisesse se banhar.

Horas mais tarde, um soldado iria até o aposento avisar que a presença delas era solicitada na enfermaria do quartel, onde o comandante aguardava. Ele deixaria que elas demorassem o quanto quisessem. Mais tarde, o soldado as guiaria até a enfermaria, onde Lei estava em uma das camas. Cat guiou Annabela até perto da cama e Lei começou a falar.* Annabela, se não fosse por você, o demônio teria me matado e teria a arma. Eu e todos aqueles que estavam aprisionados agradecemos muito. O Imperador irá querer conhecê-la depois deste feito. Jaime está despertando, ele está na sala no final do corredor. Podem ir até ele.



Annabela:
Diante do cansaço, assim como Cat, acabou adormecendo, aquecida pelos braços que a enlaçavam maternalmente. Fazia tempo que não sentia algo assim, e era reconfortante. Quando voltou a abrir os olhos, soube que não estavam sozinhas. Ficou assustada no começo... tudo ainda era extremamente recente. Depois de um tempo, ambas estavam limpas e com roupas cheirosas. Parecia uma coisa pequena, mas a sensação do tecido macio contra a pele era maravilhosa, como se fosse uma carícia. Uma das moças prendeu os fios escuros numa longa trança e a ajudaram a abotoar o vestido rosado e simples, que adornava a delicada silhueta de Annabela.

Quando o soldado veio, não precisaram de muito tempo para se ajeitar, ainda mais que estavam ansiosas para ter notícias de Jaime, e ficar ao lado dele o quanto antes. Seus passos eram nervosos, e se não fosse pela mão de Cat segurando a sua, já teria disparado. Podia sentir o horrível cheiro de remédios e por isso franziu o cenho. Mas a careta se desfez ao reconhecer a grave voz do Comandante.

- Ora, senhor... – parecia constrangida – Da maneira que colocam, está parecendo que fiz tudo sozinha, e não foi assim. Nós sabemos. Eu apenas... agi por impulso, e tive sorte.

Arregalou os olhos, corando ainda mais.

- Oh, céus... – limitou-se em dizer.

A leve menção do nome de Jaime a deixou trêmula, e toda a ansiedade voltou. Apertou a mão de Cat.

- Vamos, Cat, quero muito vê-lo e tenho certeza que você também – sorriu com doçura e agradecimento para Keylosh – Obrigada por tudo, Comandante. Tenho certeza que vai se recuperar depressa. É um homem forte – voltou a apertar a mão da mulher – Vamos...



Narrador:
Você também é muito forte, Annabela. *Respondeu Lei de imediato, e disse uma última coisa antes que elas andassem.* Eu gostaria de conversar com você novamente depois. Eu tenho uma proposta e acho que vai achá-la interessante. De qualquer maneira, mandei preparar uma escolta até a taverna onde seu amigo está. Alguns soldados ainda estão lá com ele e ele está seguro e você vai poder voltar para ele. Mas antes, gostaria que você ouvisse o que tenho a dizer... *E não diria mais nada por enquanto, esperaria que ela fosse até Jaime.

Cat continuou guiando-a pelo corredor e pararia diante da porta do quarto e a enfermeira permitiria a entrada das duas. Jaime estava consciente mas ainda atordoado pelos medicamentos e magias de cura. Ele sorriu ao ver sua mãe e a garota vivas e bem. O coração de Cat apertou-se ao ver o filho naquele estado, mas a sensação foi aliviada sabendo que ele sobreviveria.* Mãe... Bela... *Ele murmurou, a voz saindo com dificuldade.* Olá, filho... *Disse Cat sorrindo, algumas lágrimas insistindo em cair, lágrimas de felicidade misturadas com o aperto no coração de mãe. Ela guiou a mão de Annabela até a de Jaime, que o rapaz apertou ligeiramente.

A enfermeira disse que elas poderiam ficar o tempo que quisessem e pediu para que fosse avisada caso Jaime precisasse de algo. Deixou a sala em seguida. Independente do tempo que ficassem ali, Cat acabaria por dizer.* Annabela, sei que quer reencontrar seu amigo. Vá até ele, eu fico com Jaime, ele ficará bem. Nós ficaremos aqui.



Annabela:
- Mas é claro, Comandante. Irei ver como Jaime está, e voltarei para conversar com o senhor... – os olhos dela estavam molhados. Mais lágrimas, porém nenhum de sofrimento agora. Era o mais puro... alívio – Fico muito feliz em saber disso. Estou morrendo de saudades de Bark! – suspirou – Não tinha dúvidas de que cumpriria com sua suas palavras. Agora, com licença... Descanse, senhor.

Deixou que Cat a guiasse. Pelo curto tempo em que chegaram, Annabela deduziu que o quarto de Jaime não ficava tão distante do Comandante. Seus pensamentos foram cortados no momento em que escutou a voz do rapaz. Um enorme sorriso desenhou seus lábios e ela seguiu o som que mais parecia música.

- Jaime! – ela exclamou, aproximando-se, até tocar o colchão da cama. Como ajuda, sentiu Cat novamente a guiando, até que sua mão encontrasse a dele. Annabela apertou com força, mas sem querer machucá-lo – Estava tão preocupada com você! Cheguei a pensar que tínhamos falhado, mas... mas...

Sem dizer mais nada, apenas se limitou em levar a mão dele até seu rosto, onde ele poderia sentir as lágrimas quentes molhando sua bochecha macia. Ouvia Cat, no entanto não queria se separar dele ainda. Quase o tinha perdido. Mas a falta que sentia de Bark esmagava seu coração. Imaginava o quanto ele devia estar sofrendo. Deslizou a mão até encontrar o rosto de Jaime. Beijou sua testa com delicadeza, sorrindo.

- Eu vou voltar. Se cuide enquanto isso... Por favor. Precisa melhorar o quanto antes. Até mais. Não pretendo demorar.

Deu um abraço em Cat, afirmando que não demoraria em retornar. Pediu um soldado que a ajudasse a chegar no quarto de Keylosh, e foi prontamente atendida. Em poucos instantes, estava parada na porta, um tanto sem graça.

- Comandante? – a voz suave ressoou pelo lugar, indecisa – Se quiser, podemos... conversar agora.



Narrador:
Excelente. *Disse Lei.* Vamos, nosso transporte está pronto. Eu lhe explico no caminho até a taverna de seu amigo. *Levantou-se com certeza dificuldade, usando uma bengala para se locomover, pois o ferimento na perna - apesar de já estar bem melhor se comparado ao estado dilacerado em que se encontrava - ainda limitava seus movimentos. Mesmo assim ele era capaz de guiar Annabela pois ficava com uma das mãos livre. Foram até o estábulo do quartel e ele a ajudaria a subir no veículo que agora não tinha a parte de trás, apenas o assento de madeira que os dois ocupavam. Era um veículo mais rápido. Lei iria devagar na estrada, entretanto. Ele já tinha as coordenadas do local que foram passadas pelos soldados de lá através de mensagens psiônicas, um tipo de energia muito usado na Cidade Imperial, uma arte na qual o Imperador Renon, líder dos Cavaleiros Imperiais, era mestre.

Durante o caminho, Lei continuou a conversa.* Sei que também não queria ficar longe de Jaime, mas talvez seja melhor deixá-lo com a mãe para que eles se acertem depois de tudo isso. Até porque, Catheryn vai ter que contar a verdade a ele. Eu confirmei com ela que aquela imagem que Mizabel gerou antes de nosso embate era uma ilusão. Jon realmente está morto. Jaime vai precisar de um tempo com sua mãe ou sozinho para aceitar isso. *Fez um pequeno silêncio antes de continuar.* É assim que os demônios agem, Annabela. Dão a você a ilusão do que mais deseja, apenas para desfazê-la diante de seus olhos em seguida. E quando menos se percebe, sua alma é deles.

*Olhou para a estrada fixamente enquanto o cavalo os puxava com suavidade mas agilmente.* Você, porém, foi seduzida por Mizabel e mesmo assim manteve o foco. Não são todos que conseguem fazer isso, não só entre humanos. Você viu a quantidade de raças diferentes entre os aprisionados por Mizabel. A maioria vítimas de suas seduções e ilusões. Isto por si só impressionaria o Imperador Renon, mas ele também ficou impressionado com os seus sentidos através do relatório que fiz a ele. E ele busca pessoas com esse tipo de habilidade especial para fazer parte dos Cavaleiros Imperiais.

*Fitava-a em intervalo regulares, pois a estrada tinha muitas curvas.* Sem muitos rodeios, o que estou tentando dizer é que posso fazer de você uma Amazona Imperial, se assim desejar. Suas habilidades podem nos ajudar e ajudar as pessoas às quais temos que proteger. Se treinar suas habilidades, você poderá sentir um demônio a quilômetros de distância, imagine quantas vilas poderíamos salvar de ataques-surpresa, ou quantas ameaças poderíamos identificar até mesmo dentro de nosso território, como aquele soldado infiltrado que Mizabel conseguiu colocar lá.

*Fez uma pausa, continuando. Queria falar tudo antes de ouvir alguma resposta de Annabela.* Não vou mentir, haverá riscos, isso é óbvio. Mas sua especialidade obviamente não é o combate. Você terá funções que não envolvam o combate direto, como analisar artefatos, identificar suspeitos, avisar vilas de ataques e, por que não, ajudar a encontrar as outras armas mágicas. Pois se os maiores demônios do submundo estão atrás delas, significa que temos que encontrá-las antes deles.

Claro, isto é um convite. Eu entenderei se você recusar e preferir continuar sua vida com seu amigo na taverna ou com Jaime e Catheryn. Você ainda terá o apoio oficial do Império Teraniano e poderá ir e vir quando quiser e estaremos presentes quando precisar. Mas esta é a oportunidade de salvar dezenas, centenas, até mesmo milhares de vidas. Evitar que centenas de famílias tenham o mesmo destino que Jaime e Catheryn tiveram. Jon mexeu onde não devia, explorou campos com os quais ele não poderia lidar, isso é claro. Mas Mizabel só fez tudo aquilo porque queria encontrar a arma. Nós podemos evitar que isso se repita.

*Quando Annabela menos esperasse, seus sentidos avisariam-na que haviam chegado ao destino. Não haveria como ela saber se o cavalo era tão rápido ou suave assim ou se Lei havia usado teletransporte em algum ponto da viagem. De qualquer maneira, ela sabia que estava de volta à sua vila. As vozes dos soldados teranianos poderiam ser ouvidas, e Lei cumprimentando-os. A carroça parou então, estavam em frente à taverna. Os soldados deixariam Bark ir até eles, se fosse o caso. Lei apenas diria, antes de pararem.* Leve o tempo que achar necessário pensando em minha proposta, Annabela. Eu esperarei.




Annabela:
- Por mim está ótimo, Comandante - ela sorriu.

Aceitou a ajuda dele, e mesmo não enxergando, podia notar as limitações de seus movimentos, o que deveria ter sido feito durante a batalha, claro. Mas se antes ele estava desacordado e agora até andando, concluiu que estava bem melhor. Mas imaginava que Keylosh não fosse um homem de ficar preso numa cama, por isso preferiu não oferecer a sugestão para que partissem no dia seguinte, dando tempo dele se recuperar ainda mais. Assim que se viu instalada no veiculo, Annabela procurou relaxar, chegando a fechar os olhos. Diferente da primeira, aquela era uma viagem para encontrar um ente muito querido, e não direcionada para uma provável morte. Respirou fundo, aliviada.

Se deixou levar por um curto momento, pois o Comandante retornou com a conversa, que ela prestava bastante atenção. Ele poderia ver a expressão dela se contorcer de leve em algo doloroso. Também tinha sido atingida pela notícia da morte de Jon.

- Jaime vai sofrer tanto... Mas tem razão. Eles precisam de um momento sozinhos, longe daquele lugar infernal. Mizabel era baixo... Apesar de morto, com certeza deixou marcas que não serão apagadas, jamais. Infelizmente. Mesmo com toda magia que existe, nenhuma será capaz de trazer Jon de volta.

Corou com os elogios, o que era algo habitual. Porém, arregalou os olhos. Ele não podia estar falando sério... Na cabeça de Annabela, tinha sim feito algo importante, mas grande parte disso foi por causa de Jaime, e principalmente de Keylosh. Ela tinha apenas concluído algo que teve inicio com eles. Continuava o escutando, ainda incrédula. Não zombava da oferta, nem nada disso, porém não se via digna de fazer algo tão grandioso. Entretanto... parecia egoísmo recusar. Se podia ajudar pessoas... Mas e se falhasse? Ainda estava pensativa quando ele terminou de falar, ficando em silêncio por um longo tempo. Era como se Lei pudesse ver por dentro da cabecinha as engranagens trabalhando, pensando numa resposta que ela ainda não sabia.

Voltou a si ao escutar a voz de Bark gritar seu nome, num misto de desespero e alívio. Annabela arregalou os olhos e lágrimas rapidamente se formavam, enquanto ela ficava de pé, trêmula.

- Pensarei com carinho, Comandante. Juro para o senhor que vou pensar e...

Não teve tempo de terminar, pois podia reconhecer os braços de Bark a puxando do veiculo, recebendo-a num abraçado apertado. O homem afundava o rosto nos cabelos macios e mal conseguia conter o choro.

- Oh, Deus! Pensei que estivesse morta! Minha filha, doçura, nunca mais me dê um susto desses!

Annabela não sabia o que falar, apenas chorava, permitindo que Bark a embalasse em seus braços, beijando seu rosto e a apertando cada vez mais forte. O homem poderia notar que ela tinha emagrecido e estava com uma aparência abatida e bem mais pálida. Apesar disso, não parecia traumatizada... Ainda era sua garota. Ainda agarrado a ela, olhou para Keylosh, fazendo um aceno com a cabeça, agradecido e emocionado.

- Obrigado, Comandante. Não sei por onde começar... Mas obrigado.



Narrador:
Se alguém deve agradecer aqui, sou eu, meu amigo. *Respondeu Lei à Bark, descendo da carroça com certa dificuldade.* Se não fosse por Annabela, eu não estaria vivo e uma dezena de pessoas não teria voltado para suas casas e famílias. *Lei foi conversar brevemente com os soldados que protegeram Bark e sua taverna durante aquelas horas, enquanto deixou que Annabela matasse a saudade de seu amigo. Lei dispensaria os soldados, já que a ameaça não existia mais, e ficaria apenas com dois deles para a viagem de volta. Ficaria ali fora a menos que Anna e Bark entrassem e o convidassem. De qualquer maneira, esperaria sem atrapalhar os dois amigos e Lei até mesmo voltaria outro dia se Annabela assim quisesse.

A demora para a resposta de Annabela à proposta não importava. O que importava era ela fazer o que seu coração mandava. A preocupação dela era válida. Virar um herói e tentar salvar pessoas é uma decisão muito nobre, mas essas mesmas pessoas também sofrem quando você erra. Lei entendia muito bem isso e sabia que era uma decisão difícil.*




Annabela:
Bark se limitou em um curto aceno, voltando a sorrir quando sentiu Annabela pressionando os lábios em sua bochecha. Acariciava os cabelos dela, ainda não acreditando que sua menina tinha retornado... viva das garras de um demônio cruel. Depois de um longo tempo, eles se separaram, sendo conectados apenas pelas mãos entrelaçadas. Pela postura de Bark, não estava disposto a liberar Annabela. Mas... ela tinha feito uma promessa. Agora que tinha se certificado de ter encontrado Bark bem e mostrado que também estava, precisava voltar para Jaime. Ele ainda precisava dela.

- Bark... eu preciso ir.

- O que? Como assim, Annabela? Até parece que vou deixar. É louca? Precisa descansar! - praticamente gritava, algo que não a surpreendia.

- Existe alguém que precisa muito de mim, Bark. Entenda... Uma pessoa que foi fundamental para que eu pudesse estar aqui, te abraçando agora.

Ela tinha voltado diferente. Ainda era sua garotinha frágil, mas havia uma maturidade em seus olhos que não existia antes. Ele sorriu um tanto emocionado. Puxou a mão dela, dando um beijo. Annabela tornou a chorar, entendendo o que aquilo significava.

- Não vou te abandonar, nunca... Logo voltarei com Jaime e Cat. Você vai adorá-los... - ela sorriu - São pessoas boas e especiais, e precisam de nós. Estão sofrendo.

- Entendo. Vou preparar tudo para que possamos recebê-los da maneira devida. Vá, querida. E volte.

Annabela se virou em direção a Keylosh - com a ajuda de Bark -, sorrindo de forma gentil.

- Vamos voltar, Comandante. Preciso voltar para Jaime...

Ela realmente tinha feito sua escolha.



Narrador:
-Sim, claro.

Respondeu Lei, ajudando-a a subir na carroça novamente. Despediria-se de Bark e então voltaria para a estrada rumo à Cidade Imperial, acompanhado pelo veículo dos soldados que haviam ficado com Bark durante aquelas horas. Lei não falaria muito durante o caminho de volta. Estariam atravessando os portões da cidade novamente em pouco tempo. Ele parou a carroça à frente do quartel e a ajudaria a voltar para o quarto onde ainda estavam Jaime e sua mãe.

Antes de deixar que Annabela adentrasse o quarto, Lei parou e falou com ela.

-Bem, Annabela, eu tenho que preencher relatórios sobre o ocorrido e ajudar as outras vítimas. Você pode ficar em Terânia pelo tempo que achar necessário. Não hesite em pedir para me ver se desejar falar comigo e dar-me aquela resposta. Nos vemos mais tarde.

Daria um abraço nela e então partiria, caso ela não quisesse dizer mais nada. Catheryn viria imediatamente, ela estava fora do quarto e abraçaria Anna de lado.

-Ele quer ficar sozinho por enquanto, querida. Vamos dar uma volta.

Segurando no braço de Anna, Cat caminhou para fora do quartel e parou em frente à rua que levava aos outros setores da cidade.

-Você voltou rápido. Seu amigo está bem? Eu estava observando esta cidade, Terânia. As pessoas daqui parecem muito unidas, acho que algo aconteceu com a cidade que as fez agir assim. É um lugar seguro e que oferece muitas perspectivas. Eu e Jaime não temos nenhum outro lugar pra ficar, estamos pensando em ficar aqui.
Lei Keylosh
Lei Keylosh
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